AGORA EM VOD, “DESLEMBRO” REVIVE UM TERROR QUE – ERRONEAMENTE – JULGÁVAMOS MORTO.

Por Celso Sabadin.
 
Em determinada cena de “Deslembro”, o garotinho Leon (Hugo Abranches) pergunta a Joana (a estreante Jeanne Boudier, um verdadeiro achado) sobre a sua “meia-avó”. Ela ri, e explica ao menino que não existem “meias avós”. Confuso, Leon que saber quem, afinal, é meio-irmão e meia-irmã de quem por ali, uma ótima solução de roteiro para que Joana esclareça as estruturas de relacionamento dos protagonistas. Ao final da explanação, Leon arremata: “Complicada essa família, não?”.
 
Este singelo diálogo entre meios-irmãos expõe com ternura e dor a chave do belíssimo “Deslembro”: é um filme sobre metades. Meios irmãos, meios pais, meias mães vivendo meias vidas que foram divididas por ditaduras inteiras. E estas nunca surgem pela metade.
 
As relações de amor, lar e família aniquiladas pela violência política são o único tipo de vida que Joana conhece. Obrigada ainda criança a fugir do Brasil após a “queda” de seu pai (Jesuíta Barbosa), durante a ditadura militar, ela desconstrói e reconstrói uma tentativa de nova existência em Paris até a adolescência, momento em que, novamente contra a vontade, ela retorna ao Brasil com sua “meia família”. Seu universo é formado por medos, desinformações, segredos, nomes falsos, meias cidadanias, meias mentiras e meias verdades de quem lembra para depois deslembrar. Uma refugiada dentro de seu próprio país, de sua própria história.
A trama é autobiográfica. A roteirista e diretora Flavia Castro exorciza no filme os fantasmas de sua própria infância/adolescência vivida numa época que, até há bem pouco tempo, todos jugávamos morta e enterrada, mas que retornou ano passado no Brasil com a força de um zumbi ensandecido.
A direção precisa de Flávia traça um paralelo visual ao tema, utilizando-se de tempos e enquadramentos fragmentados que desenham assim, estilisticamente, as meias imagens que acompanham as deslembranças de Joana.
 
O filme ganhou os prêmios de público e da crítica internacional no Festival do Rio, além do troféu de Atriz Coadjuvante para Eliane Giardini, no importante papel da avó de Joana, que funciona como uma ponte entre suas lembranças partidas.
 
“Deslembro” estará disponível nas plataformas NOW (NET), Vivo Play e Oi Play, além de iTunes, Google Play, Looke, You Tube e Microsoft Store a partir de 22 de agosto,