“AGRESTE” FAZ JUS AO SEU TÍTULO.
Por Celso Sabadin.
Lembrei-me muito do cineasta russo Andrei Tarkovsky, ao ver “Agreste”. Principalmente do livro seminal que ele escreveu chamado “Esculpir o Tempo”. Fui até revisitar a obra, na qual encontrei o seguinte parágrafo: “Pode-se apresentar uma cena com precisão documentária, vestir os atores de forma naturalisticamente exata, trabalhar todos os detalhes de modo a conferir-lhes uma grande semelhança com a vida real e, mesmo assim, realizar um filme que em nada lembra a realidade e que transmite a impressão de um profundo artificialismo, isto é, de não fidelidade para com a vida”.
Grande Andrei! Tirou as palavras de minha boca para analisar “Agreste”. O filme é de uma beleza extrema, apresentando fotografia (de Humberto Bassanello) e direção de arte (de Laura Carvalho) de rara excelência. Sente-se na pele, nas vistas e no ar a imensidão e a aridez do ríspido nordeste rural em que se ambienta o longa.
Por outro lado, do primeiro ao último momento respira-se o oxigênio teatral da peça original do recifense Newton Moreno, nascedouro do filme. Aliás, o texto é precioso! Prefiro considerar o sabor do palco como um estilo, e não como um demérito. Mesmo porque é necessário verificar a possibilidade do cineasta paulista Sérgio Roizenblit ter buscado um registro mais alegórico que realista na realização de seu filme. Neste caso, “Agreste” funciona melhor.
O roteiro de Newton Moreno e Marcus Aurelius Pimenta envolve os protagonistas Badu Moraes (Maria) e Aury Porto (Etevaldo) em uma história de amores e segredos inserida em um contexto de intolerâncias tradicionais. E é melhor não dizer mais nada, para não tirar odo espectador o sabor das descobertas.
“A diferença confronta a intolerância quando as pessoas relutam em aceitar um amor incondicional. O contraste é construído desde a pureza, a inocência, a intimidade e a descoberta de novas formas de amor, à intolerância, ao preconceito violento e ao fanatismo. Esses temas formam a base do enredo e transformam o filme em uma fábula ambientada no ermo Agreste sertão nordestino, que no entanto remete também à modernidade, ao presente e a qualquer outro espaço”, explica Roizenblit.
“Agreste” venceu o Cine PE 2023 nas categorias Melhor Fotografia (Humberto Bassanello), Melhor Ator Coadjuvante (Roberto Rezende), Melhor Atriz Coadjuvante (Luci Pereira), Melhor Roteiro (Newton Moreno e Marcus Aurelius Pimenta) e Melhor Filme Júri Popular.
Filmador em Curaçá e Juazeiro (BA), o longa estreia em cinemas nesta quinta, 14/11,
Quem dirige
Sérgio Roizenblit é fotógrafo e documentarista. Iniciou sua carreira na TV Educativa do Piauí, onde escrevia, produzia, dirigia e editava programas educativos. Sua criação diversificada inclui trabalhos exibidos em espaços de arte, como Rede de Tensão (Bienal de São Paulo). Seu primeiro documentário de longa-metragem, O Milagre de Santa Luzia (2009) foi premiado no Festival de Brasília, resultando na série homônima com 3 temporadas, um panorama sobre a música popular brasileira. Ele também dirigiu o longa documental “Médicos Cubanos” e as séries documentais “Arquiteturas”, “BR3” e “Habitar”, entre outras. Como diretor de fotografia, fez “Segundo Tempo”. “Agreste” é sua estreia na direção de longa-metragem de ficção.