“AINDA TEMOS A IMENSIDÃO DA NOITE”, O RETRATO DE UM MOMENTO DESOLADOR.

Por Celso Sabadin.
 
Karen (Ayla Gresta, ótima) é uma jovem cantora e musicista que luta por um espaço para mostrar sua arte de vanguarda numa Brasília neoconservadora. Desencantada da capital brasileira, ela se muda para Berlim, onde percebe que a falta de perspectivas não é prerrogativa unicamente brasileira: o mundo encaretou, a arte morreu e Karen se vê como uma alienígena em qualquer canto do planeta.
 
“Ainda Temos a Imensidão da Noite” é um dolorido ensaio sobre a decepção, sobre a verdade inexorável do tal “mercado” ter se apropriado de tudo e de todos, sobre como a utopia da queda do muro de Berlim foi cooptada pelo Capitalismo, transformando-se em apenas mais um processo de exclusão e gentrificação. É a confirmação de que o sonho acabou mesmo. É a vitória da mediocridade, do tédio criativo e do concurso público.
 
Um dos acertos do filme foi escalar músicos reais para interpretar os personagens da banda Animal Interior, a princípio, fictícia, mas que num processo de metalinguagem acabou transformando-se numa banda verdadeira, na medida em que foi formada especialmente para a realização do filme. A vida imita a arte e vice-versa. O quarteto liderado por Ayla Gresta criou a trilha do longa em parceria com outros compositores e as músicas tiveram a produção do guitarrista norte-americano Lee Ranaldo, um dos fundadores da banda de indie rock Sonic Youth. Ou seja, o que se vê na tela é orgânico com o que se ouve.
Apreciador de títulos longos e poéticos, o diretor e roteirista Gustavo Galvão já havia realizado “Uma Dose Violenta de Qualquer Coisa” (2013) e “Nove Crônicas para um Coração aos Berros” (2012), antes deste “Ainda Temos a Imensidão da Noite”, que entra em circuito fazendo como com a desolação total que toma conta de um país – pelo menos até o momento – esfacelado pela ignorância.
 
O diretor assina o roteiro ao lado da alemã Barbie Heusinger e da gaúcha Cristiane Oliveira (do premiado longa “Mulher do Pai”). A equipe técnica conta com o designer de produção alemão Tamo Kunz, que trabalhou com Fatih Akin em filmes renomados como “Em Pedaços”, “Contra a Parede” e, mais recentemente, “O Bar Luva Dourada”, e a consagrada produtora Sara Silveira, de “As Boas Maneiras” e “Cinema, Aspirinas e Urubus”.
 
Também integram o filme atores premiados como Marat Descartes (“Mulher do Pai”, “Quando Eu Era Vivo” e “Uma Dose Violenta de Qualquer Coisa”), Fernando Teixeira (“Aquarius”) e Bidô Galvão (uma das atrizes mais importantes da cena teatral brasiliense). Entre os atores alemães que estão no elenco, destacam-se Steven Lange (que faz o triângulo central com a personagem de Ayla Gresta e o de Gustavo Halfeld), Pit Bukowski (“The Command”, de Thomas Vinterberg) e Dirk Lange (“Touch me Not”, vencedor do Urso de Ouro no Festival de Berlim de 2018). Outra atração é a participação especial de Clemente Nascimento, pioneiro do punk no Brasil, no icônico papel de um delegado.