“ALGO QUE VOCÊ PRECISA SABER” É O CINEMA FRANCÊS RINDO DE SI MESMO.

Dizem que os ingleses são tão mal humorados quanto os franceses. A diferença é que o inglês sabe rir do seu próprio mau humor, coisa que o francês não é capaz. Ou não era, se depender do filme “Algo que Você Precisa Saber”. Destilando doses nada homeopáticas de sarcasmo e ironia, “Algo que Você Precisa Saber” é nada menos que demolidor.

E quando se fala em sarcasmo, ironia e… demolição, o tema não poderia ser outro: a família. No caso, a família Cellier, comandada pela matriarca Mady (Charlotte Rampling), um poço profundo de maldade e malediscência que não poupa nada nem ninguém. Muito menos suas duas filhas e Henri, seu marido aposentado. Mady é o centro causador e difusor de rancores familiares há décadas entalados nas gargantas de todos. Seu contraponto é a filha mais velha, Alice (Mathilde Seigner), artista plástica que desafia a falsa postura aristocrática da mãe pintando arte contemporânea e dormindo com quem quer que seja. Não é por acaso que a exposição mais recente de Alice seja um coleção de quadros onde a Virgem Maria (Mãe) assume as mais bizarras feições.

Porém, as mazelas dos Cellier não se restringem a Mady e Alice. Longe disso. Sem entrar no detalhe que o filho faliu com as empresas do pai e esconde isso a qualquer custo, a filha mais nova, a enfermeira Annabelle, também tem seus segredos. Mas tudo despenca mesmo quando um antigo fantasma do passado vem à tona, virando de pernas para o ar não só a família, como o próprio filme, que cada vez mais vai se transformando num folhetim de quinta categoria, sem medo de ser ridículo, e escancarando deliciosamente o tom de deboche.

As situações e os diálogos são ferinamente saborosos. Em determinada cena, por exemplo, Mady elogia rasgadamente o comportamento de dois filhos de uma amiga sua, “tão educados, tão calados, tão respeitosos com os mais velhos”. Até que alguém alerta: “É porque eles são surdos-mudos, você não sabia?” Mady nem se abala. Dá de ombros e rebate rapidamente: “Cada um tem sua cruz, não é?” Só faltou a legenda em português traduzir como “cada um com seus pobrema”.

Em outro momento, Henri, ao telefone, esbraveja: “Minha filha vendendo drogas? Isso é impossível! Ela é artista plástica: incapaz de vender qualquer coisa!”.
E mais: “Eu nunca vi ninguém tão mau caráter como você”. Resposta: “É porque você anda saindo pouco”.

Urbana, ágil e ferina, “Algo que Você Precisa Saber” é um comédia dramática com toques novelescos que exige de seu espectador apenas o esforço de não levá-la a sério.