“AMANHÔ: RADIOGRAFIA CRUELMENTE REAL DE UM PAÍS DIVIDIDO.

Por Celso Sabadin.

“Amanhã” é muito mais que um documentário: trata-se de um verdadeiro estudo sócio-econômico-comportamental brasileiro. Sem academicismos, e recheado com muita emotividade.

Tudo começa em 2002, quando Marcos Pimentel, o diretor do longa, começou a acompanhar as atividades de um grupo de crianças moradoras das imediações da Barragem Santa Lúcia, em Belo Horizonte. O lugar é dos mais propícios para uma rica investigação documental, na medida em que a tal barragem se constitui numa espécie de muro de Berlim que, no caso, separa a comunidade do Morro do Papagaio da classe média.

Vinte anos depois, Pimentel retorna à região, e reencontra os irmãos Julia e Christian. Obviamente, eles estão mudados. Mas não tão mudados quanto o país, que durante este período saiu de uma democracia de razoável desenvolvimento para mergulhar nas mais insanas e impensáveis trevas da ignorância. As vidas de Julia e Christian – e de todos – estão perturbadoramente alteradas. E “Amanhã” faz este registro com intensas emoção e humanismo, principalmente em função dos laços de amizade, proximidade e confiança que o cineasta conseguiu estabelecer com seus depoentes.

Mais do que simplesmente mostrar e demonstrar tal abismo, o longa acaba se transformando também em material investigativo, na medida em que tenta localizar um antigo amigo comum de Julian e Cristian, presente nas filmagens iniciais.

Pimentel aponta que a divisão social no país sempre existiu, mas com as eleições de 2018 tudo ficou bem mais escancarado que antes, fazendo com que países completamente diferentes coexistissem em uma mesma cidade, em uma mesma sociedade.

O cineasta evidencia que não foram apenas o país e as crianças entrevistadas que se transformaram. Ele mesmo, como documentarista, construiu uma carreira nesse tempo. “Em 2002, eu dava meus primeiros passos no universo do cinema documentário. Ao longo dos últimos 20 anos, me tornei um documentarista e passei a utilizar meus filmes para falar com o mundo. Tudo que quero dizer para as pessoas, coloco nos filmes que faço, que são minha forma de expressão. Não sou de me apegar a grandes certezas, acredito e aposto mais nas dúvidas, mas talvez ´Amanhã´ tenha sido o filme que mais me ensinou sobre o que é ser documentarista e todas as implicações contidas na feitura de um filme documentário, sobretudo atualmente, quando não há como deixar de falar de determinadas coisas”, conclui.

Exibido em competição no É Tudo Verdade e premiado no 27º FAM – Florianópolis Audiovisual Mercosul (Melhor Longa Júri Popular), “Amanhã” entrou em cartaz nos cinemas na última quinta-feira, 29/02. Imperídvel.

 

Quem é o diretor

Documentarista formado pela Escuela Internacional de Cine y Televisión de San Antonio de los Baños (EICTV – Cuba) e especializado em Cinema Documentário pela Filmakademie Baden-Württemberg, na Alemanha. Também é graduado, no Brasil, em Comunicação Social (UFJF) e Psicologia (CES-JF). Diretor e roteirista de documentários que ganharam 95 prêmios por festivais nacionais e internacionais e foram exibidos em mais de 700 festivais de 52 países. Desde 2009, é professor do departamento de documentários do curso regular da Escuela Internacional de Cine y Televisión de San Antonio de los Baños (EICTV – Cuba).