“AMERICANO: UMA ODISSEIA A 1947” VIAJA AO PÓS-GUERRA COM ORSON WELLES “COMUNISTA”.

Por Celso Sabadin.

Quando parece que tudo sobre Orson Welles já foi dito e repetido em diversos documentários, eis que surge o longa “Americano: Uma Odisseia a 1947” para brindar nossos olhares com uma belíssima contextualização histórica do ano que seu título contempla.

Não se trata exatamente de um documentário sobre Welles, mas sobre o inquieto e inquietante período do pós-Segunda Guerra, e que utiliza o então menino-prodígio da mídia estadunidense como um dos fios condutores da sua narrativa (sim, eu uso a palavra “narrativa”, quando é necessário e faz sentido).

O longa exibe um fascinante mosaico político-social da era em que o então presidente norte-americano Harry Truman faz da Europa a sua refém econômica através do Plano Marshall de “ajuda“ aos países destruídos pelo conflito mundial. Neste contexto, surge nos EUA uma interessante política pública de incentivo ao teatro, como forma de aquecer a economia criativa. Tal política favorece atores, autores e diretores teatrais, entre eles, Welles – naquele instante já consagrado por “Cidadão Kane” – que constrói um revolucionário trabalho de montagem de clássicos shakespereanos com elenco totalmente negro.

Como, paralelamente ao Plano Marshall, Truman desenvolve também sua Política de Boa Vizinhança junto aos países da América Latina, o genial Welles é enviado ao Brasil para fazer um documentário sobre o carnaval. Vergonha: ao enviar as primeiras imagens filmadas da festa carioca à RKO, os produtores norte-americanos recusam o material, sob a alegação de ter gente preta demais. “Americano: Uma Odisseia a 1947” informa também que o próprio governo brasileiro estava descontente com as imagens. E pelo mesmo motivo, pois naquele momento era preciso “branquear” a percepção estrangeira do Brasil.

Como sabemos, tudo deu errado com a viagem de Welles ao Brasil, seu documentário sobre jangadeiros que deveria se chamar “É Tudo Verdade” acabou fazendo água, mas pelo menos batizou o festival assunto deste texto.

O que nem sempre é divulgado com a devida importância é a empreitada política de Welles, que após retornar aos EUA torna-se um ativista da causa racial, inclusive midiatizando o caso Isaac Woodward, um veterano negro da Segunda Guerra espancado até a cegueira pela intolerância policial branca. Como não podia deixar de ser, Welles acaba recebendo a classificação de “comunista” por documentos oficiais do FBI, recentemente revelados.

Como se tudo isso não bastasse, “Americano: Uma Odisseia a 1947” ainda utiliza como linha narrativa paralela a trajetória de Howard Nakita, norte-americano de origem japonesa que morava com seus avós, em Hiroshima, exatamente no fatídico dia do genocídio atômico. E sobreviveu.

É muita informação para um único documentário? Pode até ser, mas o diretor chinês radicado no Canadá, Danny Wu (não confundir com o ator homônimo), costura todos estes temas com muita habilidade, apoiando-se em farto e atrativo material de arquivo e algumas (felizmente poucas) reconstituições dramáticas. A lamentar somente alguns trechos de equivocadas opções de back-ground musical que acabam brigando com as vozes dos próprios depoentes.  “As Valquírias” de Richard Wagner, por exemplo, não me parece um fundo musical adequado para um depoimento documental.

Ainda dá tempo de ver “Americano: Uma Odisseia a 1947” no Festival É tudo Verdade. Em São Paulo, dia 21/04 às 14h00. E No Rio, dia 23/04, na Net Rio Sala 3, às 18h00. Sempre gratuito.