“AMOR EM SAMPA” RETRATA O LADO COXINHA DA CIDADE.   

Por Celso Sabadin.

Em determinado momento de “Amor em Sampa”, a executiva Aniz, personagem interpretada por Bruna Lombardi (que também é roteirista do filme), faz uma espécie de mea culpa dizendo que há muito tempo tem visto São Paulo apenas de cima, através dos vidros dos grandes edifícios, longe do chão. É este exatamente o grande problema do filme: ele está longe do chão da vida real, posicionado de forma distante nas alturas e no isolamento de frias corporações. Não transpira verdade.

Produzido e interpretado por Bruna Lombardi e Carlos Alberto Riccelli, “Amor em Sampa” retrata a São Paulo dos mega executivos, dos publicitários poderosos, da badalada Fashion Week, dos eventos aos quais se comparece de fraque e vestido longo, do Jóquei Clube e dos jantares luxuosos regados a champanhe. Sanduíche também pode, desde que seja descolado, numa lanchonete da moda na Vila Madalena. Na tentativa de dar um viés popular à trama, existe até a concessão de realizar uma cena na Rua 25 de Março… que também soa falsa com sua produção de figurantes das mais assépticas.

No filme, sempre se fala que o trânsito na cidade é louco, mas sempre de dentro de carros. Ônibus, quando muito, apenas em rápidos e milimétricos takes esparsos. Metrô, sim, mas totalmente vazio. O filme retrata a São Paulo de quem anda de táxi. É uma São Paulo lindamente fotografada, principalmente em suas cenas noturnas, mas cuidadosamente maquiada para que não se veja uma pichação sequer, um desvario sequer da Paulicéia.

Seus personagens são de caráter duvidoso. As mulheres, por exemplo, se vendem barato. Duas jovens (Letícia Colin e Bianca Müller) trocam algumas noites de sexo por uma participação – literalmente – de lixo numa peça teatral. Uma modelo com sotaque interiorano (Miá Mello) troca favores sexuais por corridas de táxi. E se sente poderosa com isso. Um publicitário internacionalmente premiado (Rodrigo Lombardi, convincente num papel difícil), teoricamente o herói do filme, é humilhado e ofendido com violência e agressividade pelos seus iguais quando perde uma conta importante… e intensamente aplaudido, festejado e incensado pelos mesmos, quando a recupera. Um outro executivo (Eduardo Moscovis), calculista e dissimulado, acredita que o dinheiro tudo pode. E o filme lhe dá razão. Sem a menor crise de consciência, vale a ideia que a riqueza e o poder são os únicos valores que contam nas relações humanas. Enquanto isso, os gays (Tiago Abravanel e Marcello Airoldi) são apenas caricaturas.

A grande cidade pode se humanizar? Sim, mas só com a união (ou o conluio?) entre a publicidade e o grande empresariado, única saída proposta por um roteiro onde o povo praticamente inexiste. E, quando existe, precisa trocar seu nome brasileiro por um francês, caso contrário o sucesso não virá, como mostra uma das duas únicas personagens negras do filme (Mi Ma Domingos). A outra é a assistente submissa da poderosa executiva loira de brilhantes olhos azuis. Nenhuma delas aparece no material de divulgação do filme, embora a personagem Conceição tenha importância determinante na trama, inclusive encerrando o filme com uma bela cena. Entre todos estes personagens gravita um motorista de táxi (Ricelli), este, pelo menos, ufa, mais crível. A brincadeira de chamá-lo de Cosmos pra dizer que São Paulo é cosmopolita esbarra no tolo.

“Amor em Sampa”, por vezes, parece um comercial institucional da cidade, o que é até coerente com um filme que se passa nos bastidores de uma grande agência publicitária. Por vezes, flerta com o estilo irônico-musical-chique que François Ozon destilou em “8 Mulheres”. Porém, em momento algum consegue se livrar deste estigma de ver a cidade por cima, longe do chão. Artificial, ele focaliza a capital paulista com um olhar – para usar a gíria da moda – coxinha. O que pode até ser representativo de uma parcela da população que verá o filme nos shopping mais caros da cidade. Mas que nem de longe me representa.