“ANABAZYS” É OBRIGATÓRIO PARA COMPREENDER O CINEMA E O BRASIL.

Existem temas que parecem inesgotáveis para o Cinema. Glauber Rocha é um deles. Polêmico, hiperativo, irascível, tão genial quanto louco, Glauber deixou uma obra filmada que pode ser até considerada “menor” (no sentido quantitativo, claro) quando comparada à sua obra escrita e oral. Escritor e falador compulsivo, Glauber não tinha aquilo que os editores de imagem chamam de “ponto de corte”, ou seja, quando começava a falar, dava a impressão que jamais terminaria, não parando sequer para respirar.

Neste sentido, já faz anos que Paloma Rocha (filha de Glauber) e Joel Pizzini (marido de Paloma) se empenham em restaurar, documentar e – se é que isso é possível – organizar as enxurradas criativas do cineasta. Um dos frutos mais recentes deste esforço monumental é o documentário “Anabazys.” O filme é obrigatório para quem deseja compreender um pouco mais o cinema brasileiro, e também para quem ainda não captou a dimensão da importância de Glauber neste panorama histórico. Quem viveu a Era Glauber tem a oportunidade de rever conceitos. Quem não viveu talvez se espante em perceber como o cinema daquele momento podia ser ao mesmo tempo tão diferente e tão igual ao de hoje.

Tão igual: em determinado momento, Glauber fala (há quase 30 anos) que o cinema brasileiro vive perdido entre duas forças gigantescas – o Governo e a Globo.

Tão diferente: impensável para as gerações atuais o cinema improvisado, sem roteiro e criado na hora que o cineasta propunha e realizava. Como também são impensáveis, na visão de hoje, as participações experimentais, artísticas e criativas que Glauber protagonizava na TV aberta dos anos 70 e início dos 80.

“Anabazys” traz momentos preciosos que permitem apreciar o anárquico processo criativo do cineasta. Na era do som dublado, Glauber dirige seus atores na medida em que a câmara roda, como na época dos filmes mudos. E não se atém a roteiros. Improvisa, grita, berra, xinga, manda repetir sem cortar a cena. Chega a mandar que seu ator, Antonio Pitanga, vá pedir carona a um táxi caprichosamente parado próximo às locações, sem sair do personagem. Só para ver o que acontece. E continua filmando. Câmara na mão, improvisação, assumindo as falhas na tela, execrando a sonorização na pós-produção, Glauber “inventou” o Dogma 95 muitos anos antes dos dinamarqueses. Se os franceses inventaram o cinema mudo, e os americanos o falado, Glauber inventou o cinema gritado.

O documentário também explora delicados momentos políticos do cineasta, como a polêmica passagem em que ele afirma que o então General Geisel – presidente escolhido pela Ditadura Militar – seria o homem que abriria o país para a democracia. Uma declaração que jogou a intelectualidade e a classe artística brasileiras ferozmente contra o cineasta, naqueles anos de chumbo.

São 98 minutos que valem como uma aula de Cinema, ou mesmo de História do Brasil. Imperdível para quem gosta de Cinema, e para quem mora no Brasil.