“ANIMAL POLITICO” É OBJETO DE ANÁLISE EM CURSO DE PÓS.

O filme “Animal Político”, escrito e dirigido pelo cineasta que prefere se identificar apenas como Tião, foi objeto de variadas análises e interpretações realizadas pela turma de alunos de Pós-Graduação em Cinema da Universidade Anhembi Mrumbi, em São Paulo.

Dentro da disciplina Crítica em Audiovisual, os estudantes foram motivados pelo professor Celso Sabadin a desenvolver textos – não necessariamente sob o formato de crítica cinematográfica – a respeito dos níveis de leitura e compreensão que o filme proporciona.

Seguem abaixo os textos produzidos pelos alunos da UAM:

 

ANIMAL POLÍTICO OU ALGO QUE O VALHA.

Por Diego Cruz

O que faz você feliz? Esse jingle de uma famosa rede de supermercados cabe bem como uma pergunta inaugural desse tão bom quanto pretensioso filme. A saga dessa personagem bovina que divaga nos evidenciando esses pensamentos sempre com uma voz masculina e sem o sotaque recifense, diferente de outras personagens,  se inicia na véspera de natal. E não poderia existir melhor data para questionar a felicidade nessa sociedade majoritariamente capitalista onde o valor de tal satisfação pode ser mensurada com um preço.

Dotada de uma infância excepcionalmente boa e até certo ponto irreal (e isso vai além do fato da protagonista ser uma vaca), a personagem agora goza de alguns privilégios de que não se pode reclamar. Mas contesta. Saindo, partir daí, do cenário urbano de sua convivência e iniciando uma jornada introspectiva e existencial em busca de respostas sobre essa insatisfação de uma vida tão boa.

Em meio a paisagens imensas que maximizam a solidão da protagonista determinada em seu intento, acontecem alguns encontros que podem ajudar a mesma achar a solução. E numa história paradoxalmente cruzada e desconexa, conhecemos a Pequena Caucasiana personagem perdida em uma ilha deserta que discorre sobre a sua existência ali bem como mostra um tratado de seus antepassados e seus respectivos herdeiros de uma elite. Elite essa que seguiu confortável durante a maior parte de nossa história. Talvez a solidão escolhida de uma e a necessária de outra, somadas a procura de respostas, regras e normas, sejam o elo entre as personagens que torne assim o roteiro justificado (em arial e tamanho 12?), porém não sei se é capaz de convencera todos.

A vaca-homem, animal político, conflita consigo mesma entre a plenitude solitária e a tolerância comunitária. O inferno é a falta que os outros fazem? Animal Político não é um filme comum. É denso, mas também pode te arrancar boas risadas. Assim como a vaca propõe a si mesma, o filme também nos convida a pensar sobre nós, humanos bípedes e quadrupedes.

 

A VACA. CALMA, PLENA E METAFORICA.

por Bruno de Goes Santos

O filme Animal Político, do Tião, é por completo metafórico, sua personagem principal é
uma vaca, com uma voz masculina, calma e plena, o que traz uma certa leveza ao filme e
permite a reflexão e a associação das figuras de linguagens utilizadas.
A personagem tem uma vida ótima, tem amigos, família, se sente amado, e durante quase
todo o filme o narrador (a própria vaca) alega ter uma vida perfeita, porém, se sente vazio
e muito na extrema rotina.

Nisso a vaca resolve partir para um deserto no qual busca um descobrimento interior e
uma paz que tanto procura. No deserto, a vaca encontra com vários símbolos que trazem
a sua lembrança e com isso ela vai aprendendo sobre a vida, até que ela encontra um
livro da ABNT, o que ela se transforma numa vaca humanizada, que segue assim até o
fim do filme.

Após esses aprendizados e essa mudança, a vaca volta à sua cidade, e volta a sua rotina
de mesmice, levando pra si que mesmo na vida do dia a dia, ela tinha pessoas que a
amavam e estavam com ela.

 

SERÁ QUE REALMENTE SOMOS FELIZES?

por Aílton Oliveira

O filme brasileiro Animal Político, dirigido por Tião, traz uma crítica se realmente nós, sociedade, estamos vivendo uma felicidade plena. A construção do longa a todo tempo mostra se a posição social, lugares, roupas, convivências ou regras, verdadeiramente suprem nossa necessidade ou busca pela felicidade, e não somente isso, mas também a forma de como enxergamos a vida e o que faz a tal diferença nela.

Uma narrativa onde o personagem principal é um vaca, já quebra a linearidade dos filmes que a maioria das pessoas estão acostumadas a assistir. A partir daí a forma de como o personagem busca a “paz interior” e a felicidade plena, entra em jogo, ou melhor, em tela.

A história se passa numa cidade parte praiana e parte metrópole, em que num determinado tempo da vida da vaca, ela percebe que não é feliz e inicia uma busca do que realmente seria sua felicidade, o que lhe trará a paz interior.

Com isso, ela acredita que estudar e melhorar seus conhecimentos trará o conforto e a felicidade que precisa. Esse não é o caminho. Ela resolve então se isolar e acha que isso a fará melhor. Também não é o caminho.

Depois de algumas tentativas ela encontra um livro de regras bem comum em nosso cotidiano, principalmente que dita como devemos formatar nossos projetos, trabalhos escolares, entre outros. É aí que ela da uma guinada, onde acha que parte de sua inquietação foi encontrada.

O Interessante é que nesse momento do filme, o diretor e roteirista conseguem fazer uma alusão ao livro Revolução dos Bichos de George Orwell, entre outras citadas no decorrer do filme, onde a vaca passa a andar sobre duas patas e não mais sobre quatro patas.

Apesar de ser uma narrativa mais vagarosa, o filme tem um ritmo bom e uma estrutura bem conexa e fiel a ideia principal. Não é um longa que lotará as salas de cinema, pois sua temática não é exatamente o que a massa está acostumada a consumir.

Animal Político é um filme bem produzido, com uma fotografia simples e requintada ao mesmo tempo, com perspectivas de câmeras boas, sustentado numa boa e entretida história.

 

ANIMAL POLÍTICO: DENSO E REFLEXIVO. 

por Igor Kretly

Objeto de análise: Será analisado neste texto o filme do diretor Tião, Animal Político.
Bertold Brecht defendia em seu teatro, a idéia de que o espectador estivesse constantemente
sendo lembrado de sua condição como espectador através do distanciamento para que a
mensagem consiga ser transmitida à eles. Animal Político é uma obra humorada, densa e
reflexiva que segue fiel à este princípio para transmitir suas críticas pós-modernas.
O estranhamento não vem da quebra da quarta parede, como faz Woody Allen em Annie Hall e
sim por meio dos personagens que nos são apresentados. Muito mais interessante, humorado
e ousado, o uso de uma vaca em eventos cotidianamente humanos nos oferece uma obra
surreal. Tião compreende a familiarização do espectador ao longo do filme e cria quatro
quebras na narrativa. A primeira ao apresentar homens de terno sem cabeça no começo do
filme, novamente ao nos apresentar a vaca protagonista, a apresentação da “A pequena
caucasiana” e finalmente a transformação da vaca em um humanóide.
O filme não tem intenção de ganhar bilheteria em grandes salas de cinema, então reserva-se o
direito de não ser palatável ao público médio. Tão pouco o de entreter o expectador. Uma
postura bem conhecida em um país no qual baseia sua produção cinematográfica através do
financiamento governamental de fomento à cultura. Postura esta que permite a criação de
projetos mais autorais e artísticas enquanto dificulta a criação de uma indústria de cinema
nacional de peso.
A obra é uma colcha de retalhos em que a estética surrealista transita entre Magritte e Andy
Warhol, livros de ficção científica se complementam e grandes pensadores contemporâneos
dialogam entre si.
No filme, temos como exemplo desta estética nos homens de terno sem cabeça tipicamente
magrittiano e a própria vaca que se torna humanóide já havia sido usada por Warhol em um
dos seus filmes.
Na cena do monolito negro em meio ao deserto cercado por macacos, a vaca se distancia
intelectualmente dos homens que contemplam o objeto negro sem compreender se sua função
e durante a jornada da vaca, observa-se um robô que alega ter as respostas para todas as
perguntas. A resposta para o sentido da vida é frustrantemente um livro da ABNT.
Enquanto isso, no Livro/filme 2001: A Space Odyssey , um monolito negro com ar místico é
associado à transição do macaco em homem e consequentemente na capacidade evolutiva do
homem. Já no livro/filme The Hitchhiker’s Guide to the Galaxy após milênios de construção de
um robô de dimensões planetárias que pudesse responder o sentido da vida e mais alguns
séculos de cálculo, a máquina finalmente calcula e anuncia vitoriosa de seu feito. O sentido da
vida é 42.
A busca nas regiões áridas do interior e a família que não fala e não pensa, é fácil associarmos
a história ao livro/filme Vidas Secas em que apenas a cachorra tem características humanas e
sonho, enquanto a família age apenas como animais irracionais desprovidos de pensamentos.
E neste contexto, a vaca que se define como um indivíduo não somente humano, mas também
masculino, o que ganha uma nova camada interpretativa em tempos de plena discussão da
flexibilização dos papéis sociais de gênero. Temos aqui a simbologia da pessoa que se vê
presa em um corpo que não reflete sua verdadeira compreensão de gênero e talvez por isso,
em algum nível esteja mais propícia a pensar a sociedade. Visto que se vê em constante
conflito com as predeterminações impostas.
“A pequena caucasiana”, uma garota nua que narra sua história em um curta dentro do curta,
orgulha-se da história de sua família que foi escravista, possui holdings em vários países do
mundo e sua alienação do mundo só se torna interessante ao ter um afastamento social
através de um acidente. Isolada na ilha, tem o que seu pai julgou necessário para sobreviver.
Nos poucos objetos, o livro de Associação Brasileira de Normas Técnicas, a Bíblia
inquestionável do modo de produção em uma sociedade industrializada cujo deus é o capital.
Isto parece ironizar Thoreau que dizia “Os livros são tesouros preciosos do mundo e a digna
herança das gerações e nações. Os livros, aqueles mais antigos e melhores, encontram-se de
modo natural e legítimo nas estantes de qualquer cabana. Eles não têem causa própria a
defender, apenas instruem e amparam o leitor, cujo senso comum não os recusa”. A garota
não somente se ampara ao livro da ABNT, como o tem como o único livro necessário e dorme
com ele em seus braços em sua cabana.
O filme parece herdar a compreensão crítica dos cinemanovistas, enquanto a complementa,
renova e atualiza para o atual Brasil urbanizado. Enquanto seus antecessores usavam do
cinema-fome, aqui temos um personagem de classe média alta com férias no exterior,
brinquedos importados, comida em restaurantes caros, educação em boas escolas e um modo
de vida com atividades físicas como yoga e tênis, momentos de lazer em shoppings e
churrascos em prédios com piscinas.
Aqui, nosso personagem tem outra fome. Sua carência agora é de um sentido para a vida.
Seus prazeres tipicamente yuppies começam a colapsar quando o consumismo já não
consegue preencher suas lacunas existenciais e dão cada vez mais vazão aos pensamentos
que não consegue deixar de ruminar. Passamos pelas quatro formas de niilismo, o negativo
experimentado na juventude, o reativo ao perceber que não existe deus, apenas o trabalho, o
que nos leva ao niilismo passivo, desconfortável, sem deus e sem ciência que sejam capazes
de acalmar a alma, chegando ao niilismo ativo de Foucault em que não existe nada capaz de
ordenar o mundo.
Esse niilismo é a ferramenta que afasta nosso personagem da vida cotidiana para o “deserto
do real” de Slavoj Zizek. O ser ruminante que tende a seguir a vida de forma passiva e agir
como gado, se sente oprimido em um viés puramente utilitarista de produção e consumo e
larga o cotidiano e a vivência social e parte em uma jornada solitária pelo auto-conhecimento,
como fez o Zaratustra de Nietzsche.
Sartre diz em O ser e o Nada que “O possível nos surge como uma propriedade dos seres. Só
depois de olhar o céu decretarei “é possível que chova””. O protagonista revela que apenas
quando sente a finitude da vida toma para si as ações capazes de o movê-lo para frente e se
solidarizar-se para com os próximos. Ou seja, apenas ao ser confrontado com a percepção de,
como define Foucault, “uma existência surgida sem motivação e cujo final provavelmente se
dará em breve” é que vislumbra a possibilidade da morte como algo palpável e cria a vontade
de potência necessária para quebrar com a estagnação e agir.
A televisão toma o lugar do monolito negro e carregada de sua capacidade alienadora é que
faz a vaca sentir saudades do convívio familiar e vagar novamente em direção à sua família.
A vaca então não resistiu a tentação. A TV vence a peregrinação cristã da vaca no deserto da
verdade e promete a diversão e conforto. A vaca passa então a carregar consigo por todo o
deserto o peso da TV.
“Enquanto estou aqui, as pessoas estão se divertindo em outro lugar”. Este pensamento traz a
frustração e culpa por estar buscando algo maior e assim como Zaratustra, a vaca resolve
voltar de sua reclusão e retomar o contato social e familiar, porém, não para iluminá-los e sim
para tolerá-los.
Com o retorno à cidade, rapidamente a vida cotidiana, o estresse com trânsito, as refeições
sozinha na praça de alimentação de um shopping a lembram da triste realidade. A vida fora do
plano das idéias não é atrativo com o do plano das idéias.
A vaca agora sofre com um pensamento que se cristalizou e compreende o mesmo que
Nietzsche, que homem iluminado que viveu em meditação buscando tornar-se o ubermensch,
no caso uma vaca-humanóide, e volta à cidade não pode mais ser o mesmo homem que entrou
no deserto e então a vaca pode finalmente entender que as florestas de eucaliptos e as
pessoas, são apenas a projeção de seu eu do que lhe é externo.

 

O METAFÓRICO E ALEGÓRICO ANIMAL POLÍTICO

Por Vitor Alexandre Ferreira

Animal político é filme Brasileiro que retrata a vida pacata de uma vaca em sua jornada pelo autoconhecimento e a busca pelo sentido da vida.

O filme é cheio de metáforas e alegorias, utilizando-se de elementos narrativos muitas vezes simples para tratar temas complexos, como existencialismo, niilismo, e tratando de críticas sociais de problemas enraizados em nossa sociedade.

Tratando os temas em tons satíricos, ele aborda de forma ácida e bem humorada os dramas internos do personagem e sua transformação ao longo da história.

A narrativa é bem contada, e os fatos seguem uma ordem lógica e bem estruturada, mas há alguns elementos deslocados na trama. O principal deles é a história da menina caucasiana perdida na ilha. É um trecho com uma crítica pesada à burguesia contemporânea, mas destoa do resto do filme e parece não se encaixar com o resto da trama a não ser pelo uso do livro que o protagonista mais tarde encontra.

A fotografia do filme é simples, mas funcional, com alguns planos bem construídos e uso extensivo de planos gerais, valorizando as paisagens desertas e visualmente muito bonitas.

As atuações dos personagens secundários deixam a desejar em alguns pontos, mas nada que chegue a atrapalhar de alguma forma o longa. Uma exceção é a narração do personagem principal, que passa a indiferença do mesmo e nos instiga a compartilhar das suas dúvida.

Animal político é um filme muito reflexivo, que questiona nosso papel na sociedade e nos instiga ao questionamento sobre qual o sentido que damos a nossas vidas e como lidamos com nossos conflitos internos. Uma experiência que com certeza vale a pena ser vista.

 

O VAZIO DA SOCIEDADE EM “ANIMAL POLÍTICO”.

por Ana Paula de Toledo Soares              

“Animal Político”, com direção de Tião, foi filmado em formato 2.35:1, a janela panorâmica, a qual permite maior amplitude das cenas. O filme é repleto de metáforas – desde o começo nos surpreendemos com a Vaca antropomorfizada. Afinal, ela frequenta ambientes e faz atividades que nós, humanos, fazemos (como ir ao cabeleireiro). Depois de um tempo, nos perguntamos: mas o que ela representa? É quase como ver uma tela do Salvador Dalí, um filme bem surreal.

Conforme o filme passa, percebemos como a nossa vida é rotineira e como somos adestrados para viver em sociedade. Nossa vida se resume em trabalhar, comer, ver televisão, ir pra festa e fazer compras. A Vaca, apesar da vida confortável em todas as vertentes, não se vê satisfeita com os padrões sociais. Ela rumina a sociedade, mas não consegue digeri-la. O filme é interessante, pois trabalha com o vazio que a sociedade capitalista nos traz – a sensação de ter tudo, mas não ter nada e nos faz questionar o quão efêmero ela pode ser. Com isso, a Vaca resolve buscar o autoconhecimento.

A Vaca, em busca de autoconhecimento para estancar o vazio que sente, resolve ler muitos livros. Porém, o único que lhe dá o real esclarecimento do que ela sente, do que ela vive, do que ela representa na sociedade é o livro da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas). Neste momento, a Vaca deixa de ficar em 4 patas e ascende – fica em duas patas, com corpo de humano e cabeça de vaca. A Vaca, então, decidida a voltar para a sociedade, arrasta uma televisão consigo, como um sinal de alienação. É interessante notar que quando ela “se entrega” às amarras da nossa sociedade capitalista, ela volta a ficar em 4 patas – volta a ruminar.

O livro aparece anteriormente em uma cena também muito instigante: a outra personagem, a Pequena Caucasiana, vive isola em uma ilha e fala diretamente com o espectador, pois olha para a câmera, sobre a sua família e sua herança familiar. Logo em seguida, começa a ler o livro da ABNT. Fator que reforça que somos movidos a regras sociais e que, de certa forma, estamos presos a elas.

Na cena da Vaca com o livro da ABNT ocorre um tragicômico, pois ao menos tempo que é cômico a Vaca ter lido muitos livros e achado o da ABNT o melhor de todos, também é trágico que somente um livro sobre normas técnicas ter oferecido esclarecimento. Este foi encontrado na regra, num único jeito de pensar e agir, e não na liberdade.

No começo e final do filme, também é muito significativo o homem que caminha pela paisagem árida de terno e sem cabeça. Este é uma “pobre alma desesperada por luz”, um homem que não pensa, só caminha mecanicamente. Como podemos ver, todo o filme é repleto de simbologia e nos passa sensações estranhas, ora intriga, ora o bizarro, ora a tragédia, ora o cômico. Mas ele mostra como a nossa vida pode ser mecânica se não explorarmos outras possibilidades, se não vermos a nossa sociedade e vida capitalistas com outros olhos, que não seja o mecanicismo que a vida pode ser. E, acima de tudo, como o cinema tem o poder de atingir, de fazer refletir.

 

 

IRONIAS E METÁFORAS EM “ANIMAL POLÍTICO”.

 Por Monisse Buchala Prudencio

O filme de Tião é claramente uma crítica à sociedade atual, no qual ele usa recursos metafóricos a todo tempo para enfatizar de forma irônica, e ao mesmo tempo direta, o jeito com que nos relacionamos uns com os outros, com o capitalismo e com as regras de conduta em geral. O uso do personagem principal como uma vaca já é a premissa de definir o ser humano atual como alguém de mente menos evoluída, por isso aceita certas influências de seu meio externo e se acomoda em algumas rotinas. Mas, apesar disso, o personagem é humanizado, mostrando também que não estamos tão distantes de outros seres vivos e dividimos emoções muitas vezes parecidas.

A vaca vive em crise existencial e procurando o sentido da vida. Enquanto ao seu redor as pessoas são fúteis e vazias, ela, que tem uma voz masculina, é infeliz e solitária, demonstrando fraquezas e questionamentos que a maioria dos seres humanos possuem, mas não externalizam, principalmente diante da cultura de viver de aparências.

A escolha de certos elementos visuais como homens sem cabeça, robôs em meio ao deserto e a própria vaca são chamativos e dão ritmo ao filme, já que chocam o espectador com o bizarro. Contudo, o que realmente importa é o texto, a narração, que te faz refletir sobre a sociedade construída, principalmente, pós revolução industrial.

Por exemplo, quando a vaca se encontra diante da televisão e diz que é distraída e hipnotizada por ela, conseguimos enxergar a construção do pensamento de que os meios de comunicação de grande massa, e as grandes mídias, prendem a sociedade em uma bolha de alienação.

Já no episódio a Pequena Caucasiana, introduzido como uma quebra ao ponto de vista da vaca, no qual a protagonista muda e se torna uma mulher nua, perdida em uma ilha deserta, os questionamentos passam a ser em torno do racismo, do privilégio e da valorização dos bens. O nudismo sem vulgaridade ou pudor faz alusão ao início dos tempos e a repetição da curiosidade da menina em relação ao resto do mundo prova como o ser humano, apesar de suas revoltas, é um ser social, que tem a necessidade de dividir o espaço com outro ser igual.

Além disso, ela sempre carrega consigo o manual da ABNT para ler em momentos vagos e afirma que o ensinamento de que esse livro é soberano vem de seu pai. O livro pode ser tanto interpretado como a necessidade humana de obedecer regras e leis, como a própria bíblia, que é pregada e obedecida sem contestações.

Em um determinado momento, mais perto do final do filme, vemos também a vaca seguindo um caminho de livros, que indica a jornada pelo conhecimento. E logo o animal se torna um homem vestido de vaca e não mais a vaca em si. Ou seja, há evolução quando se há aprendizado. Há uma mudança quando se há respostas.

O assunto abordado é filósofo e complexo, mas os efeitos visuais são precários e deixam a desejar, o ritmo também começa a diminuir ao fim, criando algumas confluências de personagens na última parte que soam forçadas. No entanto, Animal Político como um todo é uma obra imagética agridoce e bem dosada.