AO LANÇAR BUSTER KEATON, DISTRIBUIDORA REDESCOBRE FATTY AIRBUCKLE.  

Por Celso Sabadin.

Às vezes, grandes tesouros estão onde menos se espera. A caixa de DVDs “Buster Keaton”, lançada pelo selo Obras Primas, por si só já tem um valor inestimável ao colocar no mercado boa parte da obra deste que foi um dos maiores comediantes do cinema, rivalizando até com Chaplin.

Mas há mais: ao garimpar os primeiros curtas de Keaton, a coleção também brinda o público com um raro e delicioso cardápio de filmes estrelados por Roscoe “Fatty” Airbuckle (no Brasil, Chico Bóia), um dos primeiros gênios da comédia muda, cujo trágico final de carreira o levou ao esquecimento precoce.

O disco 1 da caixa “Buster Keaton” traz dez curtas produzidos entre 1917 e 1918 nos quais o então ainda novato Keaton, coadjuvante, faz escada para o já consagrado Fatty. Nascido em Kansas, em 1887, Roscoe Airbuckle iniciou sua carreira ainda criança como acrobata, palhaço e cantor em companhias de teatro de variedades. Chegou a se apresentar em palcos chineses e japoneses até se estabelecer em Hollywood, onde trabalhou na empresa de Mack Sennett, o mesmo que mais tarde descobriria Chaplin. A partir de 1909, atuou em dezenas de comédias curtas, muitas delas como extra, figurante, ou um dos Keystone Cops, o famoso grupo de policiais aloprados dos filmes de Sennett. Começa a dirigir seus próprios filmes em 1914, e a partir de 1917 junta-se ao produtor Joseph M. Schenck na empresa Comique, que distribui suas comédias pela Paramount. Associado a Schenck, Fatty monta sua trupe com os ex-Keystone Cops Harry McCoy e Al St. John, a novata Molly Malone, e um jovem estreante de 22 anos chamado Joseph Frank Keaton, apelidado “Buster”. A direção é do próprio Fatty.

São desta fase os dez curtas do disco 1 da caixa de DVDs. Os filmes mostram uma fascinante mistura de ingenuidade com genialidade. Por um lado, os roteiros são apenas fiapos de história que possam justificar as correrias e tortas na cara típicos das comédias pastelão que tanto sucesso faziam na época. Seja num hospital, num parque de diversões, ou num covil de contrabandistas de uísque, tanto faz o que acontece, desde que haja espaço para muita ação física, tombos espetaculares (neste quesito Buster é imbatível), e o humor politicamente incorreto do sempre mulherengo Fatty. Por outro lado, há detalhes, minúcias e camadas repletas de ótimas sutilezas, efeitos visuais que na época devem ter sido surpreendentes (por exemplo, um carro de onde saem, sem nenhum corte de cena, dezenas de pessoas, ou arriscadas aventuras em penhascos gigantescos), placas pelo cenário com dizeres divertidos, e até metalinguagem. Há uma cena em que uma garota se apaixona por Fatty assim que o vê. O pai da menina, surpreso, pergunta como isso foi acontecer tão rapidamente, no que Fatty responde: “Isso é um curta metragem, não há tempo para preliminares amorosas”.

A bem-sucedida carreira de Fatty, porém, termina tragicamente em 1921. Após uma festa num hotel em San Francisco, a atriz  Virginia Rappe é internada com ruptura na bexiga, e acusa Fatty de tê-la estuprado. Três dias mais tarde, a atriz morre, agravando ainda mais as acusações sobe o ator. Depois de três longos e exaustivos julgamentos que se estenderam até 1922, Fatty é considerado inocente, mas o escândalo público já havia se estabelecido. Passa então a usar o pseudônimo William Goodrich para, anonimamente, dirigir filmes de Buster Keaton e Al St. John, até que 10 anos após o escândalo retorna às telas como ator no filme Hey, Pop! Chega a assinar um contrato com a Warner para uma série de novos curtas cômicos, mas um ataque cardíaco fatal o tira da cena da vida em 29 de junho de 1933.

Da trupe montada por Fatty e Schenk um século atrás, Al St. John atuaria em mais de 300 filmes até 1952, especializando-se em westerns; Harry McCoy morreria prematuramente em 1937, vitimado por um ataque cardíaco; Molly Malone faria mais de 80 filmes até 1929, quando encerra sua carreira. E Buster Keaton viraria mito. Parte de todas estas trajetórias pode ser vista no histórico disco 1 desta caixa imperdível, onde constam os curtas O Menino Açougueiro (estreia de Keaton no cinema), The Rough House, His Wedding Night, Oh Doctor!, Coney Island, Out West, The Bell Boy, Moonshine, Good Night, Nurse! E The Cook.

Ainda há outros 8 discos. Breve, retornaremos a eles.

 

 

 

 

.