AO RELATIVIZAR A TORTURA, “TERMINAL SUL” ENGROSSA A SAFRA DE CINEMA NEOCOLONIAL.

Por Celso Sabadin.

Selecionado para festivais prestigiosos, como Hamburgo e Locarno, “Terminal Sul” se passa num país autoritário, militarista e violento. Trata-se da Argélia, mas esta informação não está no filme. Pelo menos não diretamente. Mas há uma cena que especifica a chave na qual o longa opera: durante um violentíssimo momento de tortura, o torturador pergunta ao torturado: “Seu pai esteve na resistência? Foi torturado pela França, não foi?”. Exaurido de tanto apanhar, o torturado lhe responde: “Vocês são piores do que eles”, levando imediatamente um tapa na cara como reprimenda pela sua insolente afirmação. O torturador continua: “Nós somos? Quem foi o mais torturado? Você ou seu pai?”. O torturador não tem como responder.

“Terminal Sul” revela assim sua vocação neocolonial que tanto tem marcado várias coproduções entre países muçulmanos e europeus (esse, no caso, é coprodução franco-argelina). Nota-se a mensagem – nem tão subliminar assim – de passar pano para a tortura, de relativizar a barbárie, de absurdamente tentar quantificar a violência de acordo com o país que a pratica, e, principalmente, de vender a ideia que os franceses foram, sim, torturadores na época da Guerra da Argélia (o que está historicamente comprovado), mas que hoje a situação por ali – sem a “benção europeia” – estaria pior ainda.

Já comentei algumas vezes sobre esta lamentável safra de filmes que – travestidos de produções artísticas – sutilmente (ou não) disseminam o conceito que as ex-colônias europeias vivem, hoje, em condições piores do que as da época em que não eram colônia. E que o melhor para elas deveria ter sido permanecerem subjugadas ao poderio das metrópoles. Tal pensamento racista – que se potencializa ainda mais nesta terrível época de crises de refugiados – pode ser visto em, por exemplo, “Al Shafaq – Quando o Céu se Divide”, “Papicha”, “Clash”, “Degradé”, “Meu Querido Filho”, “Adeus à Noite”, “O Jovem Ahmed”, no inédito no Brasil “Les Bienheureux” e agora em “Terminal Sul”.

Como são filmes invariavelmente bem realizados e dentro das formulações estéticas bem recebidas pela comunidade cinematográfica, eles acabam sendo acolhidos com sucesso em grandes festivais, o que lhes confere um triste aval de legitimidade.

Com direção e roteiro do argelino radicado na França Rabah Ameur-Zaïmeche, “Terminal Sul” pode ser acessado pelo NOW ou escolher a sala de exibição preferida em www.cinemavirtual.com.br
O tema é forte, e merece análises mais aprofundadas.