“ARÁBIA”, BELÍSSIMA OBRA SOBRE A SOLIDÃO.

Por Celso Sabadin.

Provavelmente sabendo da força do que tinha em mãos, a programação do 50º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, no ano passado, guardou para a última noite da mostra competitiva o que havia de melhor. Prática, aliás, comum em festivais. Assim, o longa mineiro “Arábia”, de João Dumont e Affonso Uchoa, o último a ser exibido naquele evento, foi consagrado como o melhor filme do Festival. E com méritos.

Ousando quebrar alguns paradigmas de roteiro, o filme começa mostrando o cotidiano de um rapaz simples que, com a ajuda da tia, cuida do irmão mais novo enquanto aguarda o retorno da mãe em viagem. Após 20 minutos de uma trama que encanta e envolve aos poucos, o rapaz em questão encontra o diário de Cristiano (Aristides de Souza), um operário da região, e mergulha na sua leitura. É apenas neste momento que surge o letreiro com o nome do filme, que sinalizará uma total reviravolta no que até então o roteiro supostamente propunha. Saem de cena os personagens inicialmente apresentados e parte-se agora para uma imersão na vida de Cristiano. Moldam-se aos poucos os contornos, matizes, texturas e nuances de um protagonista tão comum quanto real que percorrerá uma trajetória que poderia ser a de milhões de brasileiros. E que por isso mesmo tem sua força potencializada ao bater com tanta veracidade e poesia na tela do cinema. Cristiano é o retrato fiel do homem sem voz, circundado por uma dolorida solidão, e que carrega na própria incomunicabilidade o peso do seu cotidiano.

Belíssimo, poético e reflexivo, “Arábia” não foi concebido para ser um filme de grande público. Mas vamos combinar que, mesmo sem esta pretensão, o seu título também não ajudará nadinha sua futura carreira no cinema. Não que uma obra deva ceder às facilidades comerciais, mas também não precisa se autossabotar.

“Arábia” levou o troféu de Melhor Longa do festival, além das premiações de trilha sonora, montagem e ator para Aristides de Sousa. Estreou em 5 de abril.