ARGENTINA: NEM NA BOLA, NEM NA TELA.

Retratar o futebol como elemento de igualdade social, isto é, como o esporte das multidões que ajuda a equalizar (ou pelo menos a tentar) os mais diversos níveis de discrepâncias e injustiças vividas pelas mais diferentes sociedades, é sem dúvida uma grande tentação para o Cinema. Plástico, emotivo e de profunda sintonia com as massas, este esporte de fato é uma sedutora matéria prima para os cineastas. Vários deles já realizaram ótimos trabalhos tendo o futebol como pano de fundo ou mote propulsor. O crítico Luiz Zanin escreveu até um livro inteiro sobre o assunto.

Porém, a produção argentina “Villa 21” não consegue aproveitar o tema com eficiência. Toda a ação do filme acontece no curto período entre a festa de abertura da Copa do Mundo de 2002 e o final da partida entre Argentina e Nigéria, estreia dos “hermanos” naquela competição. Na chamada Villa 21 – favela situada no subúrbio de Buenos Aires, pertinho do estádio do Huracán – três jovens amigos dividem a mesma preocupação: como arranjar uma televisão para ver o jogo. Contudo, apesar de companheiros e vizinhos, Freddy, Cuzquito e Lupín carregam visões bem diferentes da vida e da maneira pela qual seus problemas devem ser resolvidos. A solução pode estar na esperteza, na malandragem, na sedução ou na criminalidade. Dependerá de cada um.

Escrito e dirigido por Ezio Massa, um jovem diretor argentino que estudou cinema em Nova York, “Villa 21” traz problemas de roteiro e ritmo. Em sua primeira parte, insiste demasiadamente, e de forma demorada, em contextualizar a Villa, seus habitantes e seu estilo de vida. Chega a criar um videoclipe inteiro utilizando um rap portenho como fio condutor. Redundante, ainda lança mão de eventuais narrativas em off para reforçar suas ideias. Abre situações e personagens que acabam perdendo força no decorrer da trama. E abusa da “câmera nervosa” e dos cortes rápidos muito mais como um recurso meramente estilístico que propriamente como uma ferramenta de apoio ao conteúdo.
Na segunda parte, o jogo propriamente dito, o filme sobe um pouco de interesse, mas o desenvolvimento da trama não carrega carga emocional suficiente para desfazer a má impressão da primeira metade. Já é tarde. Tanto que “Villa 21” tem menos de uma hora e meia de projeção, mas parece muito mais.

Ficam ainda algumas dúvidas de lógica: se Freddy explodiu com gás o barraco do traficante, como ninguém viu? Como ninguém ouviu ou percebeu? Nem polícia, nem bombeiros? E é plausível admitir que em plena Argentina de 2002, um país tão louco por futebol como nós, não haveria uma infinidade de botecos onde os garotos pudessem ver o jogo de graça, de pé na calçada?

As histórias de bastidores de “Villa 21” acabam sendo mais interessantes que o próprio filme. Por exemplo, às exceções da veterana Floria Bloise (no papel de avó) e de Adrian Spinelli (como o Padre Tito), todos os mais de duzentos atores que participaram do filme são realmente moradores do local. E Diego Sampayo (Bocha), é ao mesmo tempo ator profissional e morador da favela. O pequeno Jonathan Rodríguez (Cuzquito), o mais velho de oito irmãos, perde seu pai num tiroteio logo após o início das filmagens e decidiu seguir adiante em seu papel mesmo assim.

Mas ninguém vai ao cinema para ver os bastidores, não è..?