“ARGILA”, RARO SOBREVIVENTE DE OBRA DE CARMEN SANTOS.

Por Celso Sabadin.

Carmen Santos, uma das mulheres mais importantes da história do cinema brasileiro, é também uma das mais esquecidas. Atriz, roteirista, diretora e produtora cinematográfica desde a década de 1920 – isso mesmo, 1920 – ela construiu uma notável carreira na cinematografia nacional em seus rápidos 48 anos de vida.

Lamentavelmente, a maior parte desta obra perdeu-se no descaso do tempo.

Um de seus longas mais significativos é “Argila” –  disponível gratuitamente na internet – interpretado por Carmen, produzido por sua própria empresa, a Brasil Vita Filmes S/A, e dirigido pelo Mestre Humberto Mauro, na época (1940) já fora dos quadros da poderosa Cinédia.

Com seu marcante sotaque português, Carmen interpreta Luciana, uma viúva rica e sofisticada que deseja difundir a arte brasileira, principalmente a cerâmica marajoara. Para isso, ela contrata Gilberto (Celso Guimarães), um artesão que faz vasos e filtros de barro numa rudimentar fabriqueta do interior do estado do Rio de Janeiro. Como a grande habilidade artística de Gilberto é sufocada na pequena fábrica, trabalhar sob o mecenato de Luciana seria benéfico e proveitoso para ambos. Menos para a simplória Marina (Lydia Mattos), noiva enciumada de Gilberto, e para o esnobe Barrocas (Floriano Faissal), para quem somente a arte clássica grega tem valor.

Ainda que falhe pela falta de fluidez narrativa, “Argila” traz bons momentos que ratificam o marcante estilo de Humberto Mauro, principalmente a lírica cena na qual Luciana, solitária, ouve um belo solo de violoncelo de Villa Lobos.  Percebe-se em “Argila” um cuidado artístico em todos os seus detalhes, da iluminação  (creditada apenas a “Edgar”, sem sobrenome) à escolha da trilha sonora, passando pela cenografia (de Watson Macedo). Destaque também para as várias camadas de crítica social levantadas nas sutis e necessárias discussões sobre a produção e a recepção da arte naquele Brasil de 1940… que talvez não se diferencie muito do Brasil de sempre.

Tematicamente, não há como dissociar a inquietação artística da protagonista da vida real da própria Carmen Santos, uma incansável entusiasta da cultura brasileira.

Uma personalidade marcante a ser (re) descoberta