“ARMADILHA AMOROSA” MOSTRA O MACHISMO DA HOLLYWOOD DOS ANOS 50.

Por Celso Sabadin.

Seja qual for o gênero do filme – comédia, drama, musical, etc. –  depois de alguns anos ele acaba se transformando em documentário. Isto porque através dos filmes é sempre possível traçar um panorama razoavelmente bem apurado da situação histórica do momento em que ele foi produzido e lançado, transformando assim o longa em objeto de estudo de seu período.

É o caso, por exemplo, de “Armadilha Amorosa”, de 1955. A princípio, seria apenas uma comédia romântica despretensiosa feita sob medida para aproveitar o carisma do então galã musical Frank Sinatra, que por sua vez também se aproveitaria do cinema para potencializar sua carreira. Em outras palavras, uma “sessão da tarde” com o astro da música do momento, como tantas vezes o cinema comercial norte-americano já fez e continua fazendo. Não por acaso, o título original do filme – “The tender Trap” – é o mesmo de sua canção-tema (interpretada por Sinatra, quem mais?), indicada ao Oscar daquele ano.

Contudo, (re)visto hoje, “Armadilha Amorosa” transforma-se num verdadeiro tratado sobre o comportamento submisso e conformista da mulher média norte-americana pós Segunda Guerra.

Senão, vejamos: a história contrapõe dois grandes amigos de infância. Joe (David Wayne, que mais tarde seria o Chapeleiro Maluco do seriado cômico “Batman”), sujeito tranquilo, trabalha na indústria farmacêutica, casado, três filhos, nunca saiu de sua cidade natal. E Charlie (Frank Sinatra), solteiro convicto, foi morar em Nova York, tornou-se agente teatral, e tem um milhão de lindas mulheres aos seus pés. A trama efetivamente começa quando Joe vai visitar Charlie no seu cinematográfico (literalmente) apartamento nova-iorquino, abatido e triste pelo fato de sua mulher ter lhe “pedido um tempo”, após onze anos de um casamento que já começava a dar sinais de cansaço. Ainda que mantenham fortes laços da amizade desenvolvida na infância, ambos tornaram-se pessoas de estilos de vida completamente diferentes. E nenhum deles parece feliz com suas opções: Joe inveja a liberdade de Charlie, enquanto Charlie inveja a estabilidade de Joe.

Mas o que realmente chama a atenção no filme é o comportamento subserviente feminino. As “namoradas” de Charlie não só aceitam passivamente a condição transitória de serem usadas por ele como parecem felizes e até recompensadas por poderem usufruir – ainda que por alguns momentos – de uma companhia “tão especial”. Algumas fazem questão de lhes prestar serviços gratuitos (arrumar a casa, cozinhar) em troca destes momentos.

E quando finalmente “a mulher certa” entra na vida de Charlie (Julie, vivida por uma Debbie Reynolds já consagrada em “Cantando na Chuva”), a moça é uma verdadeira caricatura do consumismo norte-americano pós Segunda Guerra, direcionando todos os seus atos e desejos para o casamento e para  montagem de um casa perfeita. Tanto que ela até já marcou na agenda o dia em que vai se casar… embora ainda não saiba com quem.

O melhor momento do filme é quando Julie, que já conhecia Charlie, apaixona-se perdidamente por ele ao perceber que o rapaz combina perfeitamente com os móveis da sala que ela havia imaginado comprar.

Outro destaque marcante – este bem mais melancólico – é para a personagem Sylvia (Celeste Holm), mulher bonita, inteligente, simpática, independente, violinista clássica, mas que carrega no olhar e na alma o peso de “já ter chegado aos 33 anos” sem se casar. E que por isso mesmo está disposta a qualquer humilhação proposta por Charlie, desde que isso lhe mantenham vivas as esperanças de um casamento. É dela a fala que os homens são infelizes porque eles namoram garotas que, depois de casadas, viram mulheres que eles desejariam ser sempre garotas. É ela também quem afirma que os homens “disponíveis” para uma mulher de 33 anos são “os casados, os bêbados, os meninos bonitos buscando alguém que os sustente e os malucos à procura do quinto divórcio”.

É um triste panorama das ideias sobre casamentos e relacionamentos aceitas como comportamento padrão naquela estranha e conservadora América do Norte da não menos conservadora década de 1950.

 

“Armadilha Ambiciosa” é baseado na peça teatral de Max Shulman e Robert Paul Smith (texto que desconheço, mas suponho ser bem mais interessante que o do filme), com direção de Charles Walters, que no ano seguinte dirigiria “Alta sociedade”, novamente com Sinatra e Holm.