“AS MARAVILHAS”, A LUTA PELA SOBREVIÊNCIA E AS FERROADAS QUE A VIDA DÁ.

por Celso Sabadin.

Dizem que crítico de cinema adora ficar buscando referência de filmes passados nos filmes presentes. Talvez seja verdade: eu mesmo me peguei vendo o italiano “As Maravilhas” o tempo todo me lembrando de outros dois grandes filmes igualmente vindos da Itália: “Pai Patrão” e “Belíssima”. Fazer o que? Acho que a cabeça da gente funciona assim, cheia de links com as paixões que desenvolvemos por produções anteriores.

Coproduzido por Itália, Suíça e Alemanha, “As Maravilhas” enfoca o duro cotidiano de uma família que vive da extração de mel, no interior da Itália. O pai, o autoritário Wolfgang (Sam Louwyck), comanda com mão de ferro o trabalho das quatro filhas em busca da sobrevivência através das – literalmente – ferroadas que a vida dá. Até que um dia, uma leve esperança de alento entusiasma as meninas: um programa de televisão abre um concurso entre os pequenos empreendedores locais, prometendo um montão de dinheiro (“un sacco di soldi”, conforme a propaganda do programa) ao vencedor. Mas o que é preciso para ser um vencedor?

“As Maravilhas” é o segundo longa escrito e dirigido pela italiana Alice Rohrwacher, após o seu premiado “Corpo Celeste”, de 2011. Introspectivo e buscando o ritmo do campo, o filme envolve sólida e lentamente, ao desmistificar e desmascarar com afeto e proximidade a suposta vida bucólica e sossegada do trabalhador rural.

Das referências citadas, a do “Pai Patrão” já ficou obvia na própria descrição da trama. Já os elementos de “Belíssima” surgem através dos falsos sonhos fugazes proporcionados pelas “maravilhas” advindas do fascínio da televisão. Um fascínio repleto da bizarrice de um concurso que pretende evocar as raízes da vida camponesa através de uma encenação supostamente etrusca comandada pela bela Monica Belucci (a estrela de “Malena”).

Ainda que bebendo nas fontes de Visconti e Tavianni, o filme tem uma forte personalidade própria, conduzindo com segurança este pequeno drama familiar local salpicado com doses de humanismo e verdade que o tornam universal. A cena onde toda a família se debruça sobre as colmeias, para protegê-las da chuva e do vento, é memorável.

“As Maravilhas”ganhou o Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes do ano passado.