AS MENTIRAS FASCINANTES DE LELOUCH EM “CRIMES DE AUTOR”

A famosa escritora Judith (Fanny Ardant) participa de um debate literário na televisão. Um pedófilo escapa da cadeia. A manicure Huguette (Audrey Dana) é abandonada pelo namorado num posto de gasolina à beira da estrada. E um professor desaparece misteriosamente, abandonando seus alunos e sua família. O que todas estas histórias têm em comum? Resposta: um enigmático personagem vivido pelo ótimo e feioso ator Dominique Pinon (de “O Fabuloso Destino de Amèlie Poulain). Somente ele será capaz de esclarecer os mistérios que envolvem – em maior ou menor grau – todas as fascinantes situações criadas pelo roteirista Pierre Uytterhoeven e pelo cineasta Claude Lelouch no envolvente “Crimes de Autor”. Uytterhoeven e Lelouch são parceiros há mais de 40 anos. Juntos eles criaram belos momentos da tela grande francesa, como “Um Homem, uma Mulher” e “Viver por Viver”, por exemplo. “Crimes de Autor” pode não se tornar um clássico do cinema feito na terra de Zidane, mas é um filme inteligente, sensível, muito bem roteirizado, e dos mais agradáveis de se ver.
As tramas se costuram tendo como base uma sucessão de segredos e mentiras. Não por acaso, o filme é centrado nos bastidores da literatura de ficção. Os personagens principais guardam grandes segredos, e estão dispostos aos mais diversos tipos de mentiras para mantê-los. Huguette se dispõe a armar uma encenação com um falso noivo para não decepcionar sua família. Com fina ironia, a esposa do professor desaparecido mantém um romance secreto e proibido com o próprio delegado que investiga o desaparecimento. Judith é, por si só, uma fraude gigantesca. E quem parece se divertir mais que todos, ao contar todas estas mentiras, é ninguém menos que o próprio Lelouch, que se utiliza com maestria das ferramentas narrativas que tão bem domina para iludir e encantar o seu público. Como um mágico que, ao invés de cartas, usa a câmera de cinema para efetuar seus truques ilusórios. E o público, fascinado, aplaude no final do número, encantado por ter sido tão deliciosamente manipulado durante os poucos mais de 100 minutos de projeção deste “Romance da Estação”, que seria a tradução literal do título original francês.
Aos 70 anos recentemente completados, Lelouch continua em plena forma.