“ASSIM QUE ABRO MEUS OLHOS”, OU O PODER MATANDO SONHOS.

Por Celso Sabadin.

São quase 8.500 quilômetros separando as capitais da Tunísia e do Brasil. Uma prova de que, neste nosso atual mundo globalizado, as distâncias físicas nada mais significam. Representante da Tunísia na corrida pelo Oscar de filme estrangeiro, “Assim que Abro Meus Olhos” se passa na cidade de Tunis, mas poderia ser em Brasília, São Paulo ou Pindamonhangaba, tanto faz, pois aborda um tema que, assim como as ervas daninhas, parece jamais morrer: os sonhos destruídos por governos totalitários.

Tudo acontece em 2010 e gira em torno de Farah (a estreante Baya Medhaffer, ótima), uma adolescente igual a milhões de outras, que anseia pela sua liberdade, e tem constantes brigas com a mãe pelo direito de namorar e cantar na banda de seus amigos. Naquele momento, porém, a situação do país é tensa, com o ditador Ben Ali, no poder desde 1987, abusando cada vez mais da truculência policial para reprimir seus oponentes. A própria banda de Farah se divide, com alguns de seus componentes contrários e outros a favor das canções de protesto compostas por Borhène, seu namorado.

A primeira metade do filme soa estranha, com o espectador provavelmente se perguntando o motivo de estar assistindo a apenas mais uma história sobre problemas adolescentes. Aos poucos, porém, “Assim que Abro Meus Olhos” vai ganhando corpo e consistência. O roteiro cresce em conteúdo e tensão, e desemboca (não é spoiler) expondo a impotência de todos nós em superar as arbitrariedades e desmandos cometidos pelos donos do poder. Em qualquer tempo e espaço. E pior: mostra como a longa permanência de governos ditatoriais cria ciclos que permanecem de gerações em gerações sufocando vidas, podando criatividades, matando sonhos, gerando traições e desconfianças. Neste sentido, a personagem da mãe de Farah é um achado.  

Percebe-se, então, a intenção da diretora e roteirista tunisiana radicada na França Leyla Bouzid (também estreando em longas) em mergulhar a primeira parte de seu filme no citado estranhamento: é como se nós, espectadores, acordássemos repentinamente para a realidade da situação junto com a protagonista, fazendo-nos viver uma espécie de metáfora da própria adolescência da personagem. Ganha vigor, assim, o título “Assim que Abro Meus Olhos”.

A ação do filme termina poucos meses do que viria a ser, em 2010 e 2011, a chamada  Revolução dos Jasmim, que derrubou Ben Ali. Já era tarde mais para Farah.   

Selecionado para participar de mais de mais de 40 festivais ao redor do mundo, “Assim que Abro Meus Olhos” é coproduzido por Tunísia, França, Bélgica e União dos Emirados. A estreia no Brasil foi nesta quinta, 12 de janeiro.