ATOM EGOYAN DÁ ELEGÂNCIA E DIGNIDADE À REFILMAGEM “O PREÇO DA TRAIÇÃO”.

David é um cinquentão inteligente, simpático e galanteador. Charmoso o suficiente para acender na sua esposa Catherine o terrível e devastador alerta do ciúme. Insegura em relação à fidelidade do marido, ela contrata os serviços da bela prostituta Chloe, que terá como missão testar a fidelidade de David.

Se você, literalmente, acha que já viu este filme antes, não estranhe. “Chloe” é refilmagem da produção francesa “Nathalie X”, que Anne Fontaine co-escreveu e dirigiu em 2003. Nesta nova versão, saem Fanny Ardant, Gérard Depardieu e Emmanuell Béart, e entram, respectivamente, Julianne Moore, Liam Neeson e Amanda Seyfried (de “Meninas Malvadas” e “Garota Infernal).

Agora o roteiro é de Erin Cressida Wilson – também roteirista de “Secretária” (2002), mas os maiores méritos do filme não estão exatamente no roteiro, mas sim na direção sempre segura e elegante de Atom Egoyan.

Egípcio, de origem armênia, e radicado no Canadá, Egoyan é figurinha carimbada no circuito artístico, já tendo assinado os tristes e emocionantes “O Doce Amanhã” e “O Fio da Inocência”, entre outros. “O Preço da Traição” é um trabalho mais palatável do cineasta, mais sintonizado com questões de mercado (mesmo porque os EUA estão entre os seus produtores, ao lado de França e Canadá), mas nem por isso de qualidade inferior.

Ainda que dentro de um registro estético bastante hollywoodiano – com locações suntuosas, iluminação majestosa, trilha sonora onipresente e direção de arte hiperbólica – “O Preço da Traição” consegue exibir a marca de Egoyan, onde prevalecem a reflexão, a introspecção, os poucos e elegantes movimentos de câmera, e principalmente a forma sem pressa de contar a história.

Dirigido com dignidade, o filme prefere não se ater apenas à rasa questão da traição ou da não traição. Evitando o moralismo, ele vai além, e esmiúça com talento as dúvidas da protagonista, o medo do envelhecimento, a necessidade de ser aceita, e suas inseguranças humanas e sexuais, não apenas como esposa, mas também como amante e mãe. E com um detalhe: a personagem em questão é ginecologista, ou seja, teoricamente uma especialista nos corpos das mulheres. Mas que talvez necessite percorrer um longo caminho para entender a alma feminina, se é que ela é entendível.

Ou seja, um personagem rico, verdadeiro arcabouço emocional sustentado com total eficiência por mais uma interpretação brilhante de Julianne Moore.

Ah, quando falarem sobre as cenas “polêmicas” de “O Preço da Traição”, não dê ouvidos: não há nada que já não tenha sido exibido na novela das oito. Os EUA ainda são o único país do mundo livre que se escandaliza com cenas de sexo suave bem dirigidas.

O detalhe triste do filme fica por conta de Liam Neeson, cuja esposa na vida real, Natasha Richardson, faleceu durante as filmagens. O cronograma da produção foi alterado para que Liam pudesse acompanhar o funeral e, mesmo assim, retornar ao set para os dois dias que lhe restavam para filmar.