“AUGUSTINE” RELATA COM BELEZA O ESTUDO DA HISTERIA.

Havia uma tênue linha que separava a fogueira da bruxaria do tratamento da histeria. Havia. Coube ao Dr. Jean-Martin Charcot, na França do final do século 19, eliminá-la. Esta é a história real contada no filme “Augustine”, da roteirista e diretora estreante Alice Winocours.

A trama é vista não exatamente sob o prisma do Dr. Charcot (Vincent Lindon, de “O Porto”), mas pelo de sua paciente, Augustine (a atriz Stéphanie Sokolinski, que assina apenas como Soko), uma empregada doméstica internada na ala dos deficientes mentais no hospital Salpêtriere.

A cena inicial já mostra o abismo humano entre as classes sociais daquela França de 1885: ao ter um ataque convulsivo enquanto serve um jantar de gala, Augustine é praticamente ignorada pelos nobres convidados que, ao invés de socorrê-la, limitam-se a fitá-la com indignação. De sua patroa, ela só ganha uma jarra de água na cara. Cabe a uma colega/prima levá-la ao hospital, onde, pela sua classe social, estaria condenada a permanecer indefinidamente atirada numa ala qualquer, não fosse a curiosidade de Charcot. Ele, que estuda a histeria há tempos, vê nas convulsões da garota um fértil terreno de estudos, e passa a desenvolver por ela um gélido interesse científico que logo entrará por caminhos menos frios.

Novamente se estabelece o abismo social: Augustine, como paciente quase indigente, é tratada como cobaia, sem direito sequer a perguntar sobre seu estado clínico. Enquanto Charcot se coloca acima do pedestal da ciência e a exibe como experimento pedagógico a seus colegas. No meio dos ataques histéricos, surge porém uma forte tensão sexual que perturbará o desenrolar dos protagonistas.

Chama a atenção a bela fotografia de Georges Lechaptois (o mesmo fotógrafo de “Americano”), que se num primeiro momento causa estranhamento pela sua excessiva escuridão, logo se transforma ela própria em elemento narrativo do filme, ao situar toda a ignorância médica de um período cujas pesquisas científicas mais se assemelhavam a um tatear no escuro.

Belo e intrigante, “Augustine” foi nomeado a dois César: Figurinos e Melhor Filme de Estreante.