“BATMAN VS SUPERMAN”, A ERA DO CINISMO E O FIM DA INOCÊNCIA.  

Por Celso Sabadin.

A ingenuidade da América acabou com John, Bob e Martin. A frase está na boca do personagem Perry White, patrão de Clark Kent, no filme “Batman vs Superman”, e se refere ao período entre 1963 e 1968, quando John e Bob Kennedy, mais Martin Luher King foram assassinados. De alguma maneira, estes três personagens históricos representavam ideais de liberdade e modernidade, e foram eliminados violentamente pelas forças conservadoras, abrindo uma nova e sombria era na sociedade norte-americana em particular e mundial de forma mais ampla.

O filme “Batman vs Superman” é muito sobre isso. Sombrio e taciturno, ele escancara esta nossa época de amargo cinismo onde não há mais espaço para atos heroicos ingênuos, nem para a antiga luta entre o Bem e o Mal, mesmo porque os limites entre o que seria o Bem e o que seria o Mal estão definitivamente misturados. É uma era de desconfianças, medos, de profunda manipulação política e econômica de todo e qualquer  ato, seja ele heroico ou não. Em determinado momento do filme, alguém fala que tudo é um ato político. Mais que isso, vivemos numa era em que tudo é um ato monetário, comercial, empresarial. O próprio filme, obviamente, incluído. Novamente Perry White lembra que tudo seria diferente se ainda estivéssemos em 1938, numa referência ao ano de criação do personagem Superman (ou Super Homem, como era há até bem pouco tempo). Em outras palavras, não é mais possível vestir a cueca por cima das calças.

 

No filme, os pais de Bruce Wayne, nos anos 80, são mortos após saírem de uma sessão do filme “Excalibur”. Não por acaso, o longa é sobre a saga do Rei Arthur, e mostra a transformação da era dos deuses para a era dos homens. “Batman vs Superman” também bate na tecla da transição de eras, propondo que a época dos velhos heróis passou, que é necessário que eles se reciclem, mudem seus conceitos, saiam do nosso planeta ou  até morram, se for o caso.

Não há mais espaço para os quase octogenários Superman (criado em 38) e Batman (criado em 39). Pensados e desenvolvidos um pouco antes da 2ª Guerra Mundial, quando os Estados Unidos precisavam fortemente difundir seus valores de suposta superioridade e inquestionável patriotismo, a dupla agora habita um mundo corporativista e monetarizado, representando não mais a salvação dos oprimidos, mas sim a desconfiança de uma sociedade cínica.  E se os poderes de Superman, este alienígena (com toda a carga que a palavra carrega), se voltarem contra nós? E qual é exatamente a deste maluco vestido de morcego que desabafa ao seu fiel mordomo que “sempre fomos criminosos”?  “Batman vs Superman” vem para desmontar antigos paradigmas, para mostrar que nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia. Mas… peralá! Até a página 4, porque não podemos nos esquecer que trata-se de um blockbuster, um produto comercial com milhões de fãs para agradar e milhões de dólares a honrar. Por mais que o filme desconstrua os velhos heroísmos das capas esvoaçantes, ele foi feito com o objetivo único de fazer dinheiro, e todas as formulas necessárias para tal estão ali, cumprindo a liturgia do deus dólar. Transgredir, sim, pero sin perder a bilheteria, jamais.

Mas, justiça seja feita: ousando no roteiro, e aceitando correr riscos, “Batman vs Superman” é bem acima da média do que tem sido feito no gênero.