BELO DRAMA FRANCÊS “A RELIGIOSA” ESMIÚÇA AS INCOERÊNCIAS DA RELIGIÃO.

A Religiosa
Por Celso Sabadin

Teria a igreja católica mudado muito do século 18 para os dias de hoje? Quando se vê “A Religiosa”, adaptação cinematográfica de Guillaume Nicloux para o romance homônimo de Denis Diderot, a resposta é não.
Humilhações, subjulgamentos, assédio sexual, profundos desvios de caráter, frustrações sem fim travestidas de vocação religiosa, tudo está no filme. Tudo perpassa o sofrimento da jovem Suzanne Simonin (Pauline Etienne, ótima), uma adolescente que
entra voluntariamente para um convento, desejosa de seguir vida religiosa e se dedicar a Deus. Porém, passada a fase de noviça, Suzanne percebe não ter a necessária vocação, e desiste de se tornar freira. Tarde demais. Seus pais estão falidos, e para uma garota daquela época, permanecer no convento era a saída mais economicamente viável. Mesmo que isso possa destruí-la física, mental e moralmente.

De narrativa direta e linear, “A Religiosa” contrapõe a beleza de uma límpida direção de arte aos horrores das neuroses do fanatismo. Por fora, belos jardins, fotogênicos conventos, fotografia suave e de encher os olhos. Por dentro, as prisões psicológicas e os desejos reprimidos de quem utiliza a religião como fuga. Uma dicotomia cinematográfica que enfatiza as incoerências irreconciliáveis da vida religiosa, trazendo novamente à tona a eterna discussão sobre a impossibilidade da manutenção dos dogmas. Seja nos dias de hoje, seja no século 18.

Tudo isso e mais a presença de Isabelle Huppert, o que já é por si só uma garantia de qualidade.
Indicada para a competição oficial do 63º Festival de Berlim, esta versão de “A Religiosa” não é a primeira: Jaques Rivette já havia adaptado o livro de Diderot em 1966, com Anna Karina no papel principal.