BISAVÓ DE “O SENHOR DOS ANÉIS”, SAGA “OS NIBELUNGOS” TEM VERSÃO CAPRICHADA EM DVD.

Por Celso Sabadin.

Seres mitológicos, um povo formado por anões, um anel mágico, reis e rainhas movidos por sede de poder e vingança, reinos distantes perdidos no espaço e no tempo… estaríamos falando da saga “O Senhor dos Anéis”? Não exatamente: os temas citados são de outra saga – “Os Nibelungos” – criada pela mitologia nórdica um pouquinho antes do livro de Tolkien. Uns 700 anos antes, calcula-se.

No século 19 houve uma espécie de “renascimento” pelo interesse da lenda dos Nibelungos, principalmente através dos escritores Friedrich de la Motte Fouqué (autor de “Der Held des Nordens”) e de seu xará alemão Friedrich Hebbel, autor da trilogia “Die Nibelungen”, de 1862. O compositor também alemão Richard Wagner eternizou a lenda com sua fantástica tetralogia operística “O Anel dos Nibelungos”, um trabalho de muito fôlego realizado entre 1848 a 1874.

Ratificada assim como uma das obras mais seminais da mitologia nórdico-germânica, “Os Nibelungos” evidentemente não passaria despercebido dos olhos dos grandes cineastas alemães daquele efervescente período expressionista. Em 1923, as gigantes produtoras Decla-Bioscop e Universum Film (UFA) uniram suas forças na hercúlea empreitada de levar para as telas todo o mundo mágico proposto na lenda medieval. Cenários gigantescos, milhares de figurantes, o que havia de mais moderno em termos de efeitos visuais, ampla campanha de divulgação e – claro – a contratação do grande Fritz Lang para a direção fizeram da estreia de “Os Nibelungos – A Morte de Siegfried”, em fevereiro de 1924, um momento inesquecível da indústria de cinema da Alemanha, país que se reerguia surpreendentemente após a acachapante derrota sofrida na Grande Guerra de 1914.

Com 150 minutos de duração, e Paul Richter, Margarete Schön e Theodor Loos nos papéis principais, “Os Nibelungos – A Morte de Siegfried” narra a saga de Sigfried (Paul Richter, que já havia atuado em “Dr Mabuse, o Jogador”, sucesso anterior de Lang), que após roubar o tesouro dos Nibelungos corteja a bela Kriemhild, irmã de Gunther, rei dos Burgúndios. O rei pede que Siegfried o ajude a seduzir a rainha virgem Brunhild que, ao desvendar a trama, pede a cabeça do herói.
Intrigas palacianas a parte, o grande destaque do filme foi a luta do herói contra o dragão. Não uma maquete de dragão, nem uma projeção de dragão, nem um lagarto fantasiado de dragão (muito menos um dragão criado por imagens digitais impossíveis até de serem sonhadas um século atrás), mas sim um dragão mecanicamente construído medindo quase 20 metros de comprimento e operado por seis homens em seu interior, fora uma estrutura subterrânea escavada sob o bicho. Na época, o resultado foi impressionante.

A segunda parte cinematográfica da saga, “Os Nibelungos – A Vingança de Kriemhild” foi rodada de forma praticamente simultânea à primeira, o que viabilizou sua estreia apenas dois meses após o filme anterior.
Com 131 minutos de duração, o filme se passa após a morte de Siegfried, e mostra o casamento de sua viúva Kriemhild com Etzel, o rei dos Hunos, e as consequentes tragédias familiares que se desencadeiam entre os reinos a partir desta união. Sem dragão, e sem o impacto da novidade, esta continuação não foi recebida tão espetacularmente pelo público, mas é importante para fechar, pelo menos, uma boa parte da gigantesca saga.

Além dos dois filmes completos, em versões brilhantemente restauradas pela prestigiada Friedrich Wilhelm Murnau Foundation, a caixa Expressionismo Alemão volume 2, do selo Obras Primas, chega ao mercado trazendo ainda um documentário de 67 minutos com cenas de bastidores das filmagens, depoimentos, e contando sobre a importância da saga para a cultura alemã.

Lembrando que três anos após “Nibelungos”, o mesmo diretor Fritz Lang, a mesma roteirista Thea von Harbou e a mesma Universum Film seriam os responsáveis por um dos maiores clássicos do cinema mundial em todos os tempos: “Metrópolis”.