“BIXA TRAVESTY” PERSONIFICA NOSSA ERA DE TRANSFORMAÇÕES.

Por Celso Sabadin.
 
Em determinado momento de seu filme “Bixa Travesty”, a artista documentada no longa, Linn da Quebrada, diz estar “em obras”. E que assim estará ainda por muito tempo. Na verdade, o filme mostra que tudo na nossa a sociedade atualmente está “em obras”, em transformação: corpos, conceitos, sexos, vivências, ideias que até há bem pouco tempo posavam como pétreas e fundamentais atualmente não passam de areias dançando ao vento.
 
É um pouco do conceito de Vida Líquida, levantado por Zygmunt Bauman já em 2005, através do qual nada mais na nossa existência seria estruturalmente sólido e imutável. No caso de Linn, tal ideia se une ao pensamento da Sociedade do Espetáculo, desenvolvido por Guy Debord no longínquo 1967, no qual a sociedade de consumo coloca todas as suas manifestações sob as asas vorazes do mercado. Afinal, quem poderia imaginar, há alguns pares de anos, um filme com closes nas genitais e no ânus sendo exibido com total naturalidade num complexo de cinemas patrocinado por um grande banco?
 
Sim, tudo mudou, tudo ainda está mudando, tudo mudará ainda muito mais, e é esta a realidade que Linn da Quebrada passa com a sua arte. Suas letras, músicas, maquiagens, posturas, atitudes e coreografias explodem como gritos de liberdade há milênios entalados em milhões de gargantas. É ao mesmo tempo um pedido de socorro e uma chamada para a briga; um tiro de canhão e uma bandeira de paz. Um manifesto político pelo direito de questionar o que é direito. Uma exigência de vida. Afinal, quem botou na cabeça das pessoas que o mundo é binário?
 
Bixa Travesty é a reinvenção da invenção, a releitura da leitura. Nasceu presa a um corpo de homem registrada com um nome civil que nem a Wikipédia revela (logo, não existe), reinventou-se como Linna Pereira, que assumiu o nome artístico de Linn da quebrda, que por sua vez insere-se na sociedade do espetáculo cinematográfico como “Bixa Travesty”, o filme. O produto, o longa, o documentário.
 
Com direção de Claudia Priscilla e Kiko Goifman, “Bixa Travesty” ganhou prêmio de Melhor Documentário com Temática LGBTI no Festival Internacional de Cinema de Berlim.