“BONITINHA, MAS ORDINÁRIA”: NELSON RODRIGUES AINDA INCOMODA OS CONSERVADOES.

Toda refilmagem suscita comparações. Assim, é inevitável comparar o novo “Bonitinha, mas Ordinária”, de Moacyr Góes, com as versões anteriores de 1963 (com Odete Lara) e 1981 (com Lucélia Santos). Contudo, o diretor se apressa em avisar: “fiz o meu Nelson Rodrigues; espero que cada um faça o seu”, aludindo às várias maneiras de interpretar o famoso dramaturgo.

Góes trouxe para os dias de hoje a perturbadora história do poderoso milionário Werneck (Gracindo Jr.), que “compra” o operário Edgar (João Miguel) para que ele seja seu genro. A ideia é que Edgar se case com Rita (a convincente estreante Letícia Colin), filha de Werneck, que teve sua “honra manchada” ao ser vítima de um estupro coletivo.
A princípio, há um estranhamento com a questão da “honra”. A virgindade perdida ainda seria tabu nesta segunda década de século 21? A premissa básica do filme se sustentaria? Porém, como o desenvolvimento do roteiro traz à tona outros temas mais sintonizados com a nossa época (a prepotência dos poderosos, o preço da ética, o custo do “se dar bem na vida”, etc), o filme acaba ganhando contornos cada vez mais atraentes e envolventes em seu desenrolar. Além do que sempre é fascinante (re)saborear a acidez dos textos de Nelson Rodrigues.

O afiado elenco traz interpretações coesas e eficientes, destacando-se, além dos atores já citados, brilhantes interpretações de Leandra Leal e Leon Goés (irmão do diretor), como Peixoto, pivô de toda a trágica trama.
Em sua narrativa, “Bonitinha, Mas Ordinária” carece de um certo equilíbrio dramatúrgico, ao dedicar tempo demais na preparação do ato final, que passa a impressão de ter sido resolvido de forma um pouco abrupta e atabalhoada. Mas nada que chegue a diluir a forte química dramática que Goés, neste que considero seu melhor filme até agora, conseguiu obter entre o texto e seu elenco.

Ao ser questionado por que o filme demorou quatro anos para ser concluído, o produtor Diler Trindade afirmou que os departamentos de marketing das empresas, acostumados com histórias mais leves e menos comprometedoras, ficaram muito “temerosos” em associar os nomes de suas empresas aos temas fortes e polêmicos propostos pela obra de Nelson Rodrigues.

Como se percebe, meio século depois, Nelson Rodrigues ainda incomoda os conservadores.