“BOYHOOD” DEMOROU 12 ANOS PARA SER FEITO. E ISSO É APENAS UM DETALHE.

Minha colega de crítica cinematográfica, Suzana Uchoa Itiberê, publicou um texto dizendo que “Boyhood” tinha quase três horas de duração, não acontecia nada de muito espetacular, e mesmo assim, quando termina o filme, a gente fica esperando um pouco mais para ver se tem alguma cena adicional depois dos créditos finais, pra ficar mais um pouquinho em companhia daquela família retratada na história.

Embora eu me identifique muito com os textos da Suzana, pois ela, assim como eu, escreve mais com a emoção que com a razão, pensei: “Ela deve estar exagerando um pouco”, Fui conferir o filme, claro. E agora, depois de vê-lo atentamente, posso dizer sem pestanejar que “Boyhood” tem quase três horas de duração, não acontece nada de muito espetacular, e mesmo assim, quando termina o filme, a gente fica esperando um pouco mais para ver se tem alguma cena adicional depois dos créditos finais, pra ficar mais um pouquinho em companhia daquela família retratada na história.

Que delícia é a viagem que se faz ao assistir “Boyhood”! E olha que eu nem sou lá um grande entusiasta do diretor Richard Linlkater, que considero um pouco verborrágico demais para o cinema.

A trama é das mais simples, seguindo a trajetória de uma mãe divorciada (Patrícia Arquette) e sua cotidiana luta pela sobrevivência ao lado do casal de filhos Mason (Ellar Coltrane) e
Samantha (Lorelei Linklater, filha do diretor). Embora meio irresponsável, o pai (Ethan Hawke, ator-fetiche de Linklater) acompanha o crescimento das crianças sempre que possível, e se transforma num dos personagens mais adoráveis já vistos nas telas recentemente.

Provavelmente eu não deveria contar (já contei), mas nada de muito hollywoodiano acontece na trama. Trata-se de um filme sobre a vida, o crescimento, a maturidade, a descoberta da sexualidade, o envelhecimento, sonhos, ilusões, frustrações… tudo magnificamente dirigido de forma extremamente sensível, poético e real, onde predominam dois conceitos dificilmente dominados pelo cinema norte-americano: simplicidade e autenticidade.

Há um momento em específico que, acredito, sintetiza o espírito poético-realista de “Boyhood”. Um diálogo entre o pequeno Mason e seu pai que reproduzo aqui meio que de memória:

“- Pai, na vida existe magia de verdade?
– Como assim, filho?
– Os elfos, por exemplo, eles existem?
– Bom, se eu te disser que existem nos oceanos mamíferos gigantescos que se localizam na água com sonares, cantam canções subaquáticas e têm corações do tamanho de um automóvel, isso parece magia, não é? Mas é realidade: são as baleias. Parece magia, mas existe.
– Tá, mas e os elfos?
– Não, os elfos definitivamente não existem”.

“Boyhood” ainda traz consigo todo um sistema de produção, no mínimo, sensacional: a ação do roteiro transcorre durante 12 anos. E o filme foi de fato feito em 12 anos. Ou seja, aquelas crianças crescendo e aqueles atores amadurecendo não é maquiagem, nem efeito especial, nem troca de elenco: é a vida real, diante dos nossos olhos. E o mais incrível? Acredite: isso é uma curiosidade divertida, mas diante da grandeza da direção tem pouca importância dramatúrgica. Seria um belíssimo filme, mesmo se recorresse ao sistema tradicional.

Só fico pensando como seria aprovar, na nossa burocrática Ancine, um projeto que demandasse 12 anos de produção…