BRASÍLIA 2015: CLÁUDIO ASSIS DOURA A PÍLULA EM “BIG JATO”.

Big Jato

por Cid Nader, de Brasília.

Direção: Claudio Assis
PE , 93 minutos. 

Da Ingerência das Imagens Sobre o Tema

Como sugerir um subtítulo desses para alguém que, como eu, tanto vaticina quanto ao necessário do poder das imagens sobre o tema, numa arte que acima de tudo é das imagens? Acontece o seguinte: fazer das imagens o elemento de mais poder dentro de um filme é obrigação mínima que todo diretor tem de exercer; fazer com que tal cuidado colabore com o trabalho, faça-o fluir ou escapar, narrar-se por elas ou como amparo a outras narrações, tem muito a ver com repeito ao que o tema dita, ao que é do mote, ao que é, também, da sabedoria no significado desse casamento, mesmo que a divisão imprima ritmo aleatório, fora de linearidade, e até, aceitando-se a incapacidade da boa captação, por conta de inépcia do diretor de fotografia.
Então: o que ocorre em Big Jato é um fenômeno vulgarmente apelidado por aí como “douração da pílula”, que na prática consiste em fazer com que o potencial de transposição para a tela valha-se de mecanismos/ferramentas quase nunca recomendáveis, por destoarem do que se imagina capacidade do artista (o diretor de fotografias) em entender o que busca, quase sempre representados por gruas, trilhos, grandes angulares, objetos voadores que carreguem as lentes para longe do domínio e habilidade das mãos de quem as manuseiam, na intenção maior de “melhorar” a realidade… O filme, por todo o tempo – e quando digo todo é por todo mesmo – abusa de imagens tomadas do alto, da utilização de gruas, de carrinhos e trilhos para conferir exuberância no estilo (a cena final é um grande exemplo disso), na intenção de “idealizar” imageticamente todo um local que não é o do sofrimento da caatinga, ou das periferias pesadas do Recife, num método de trabalho que se repete constantemente na careira do diretor, e que sempre foi pensado como obra de “limpeza estética” determinada por Walter de Carvalho, fotógrafo reconhecido pela exuberância, e que trabalhou em outros filmes de Cláudio.
A surpresa vem quando se nota nos créditos o nome de Marcelo Durst como o diretor de fotografia deste (que já havia trabalhado com o diretor do filme lá no início dos 1990), o que muda um conceito, meio difundido como certeza, de que Walter se sobrepunha com seu peso ao que é de Cláudio. Aqui, ao ser constatado o mesmo estilo exuberante – e que nada contribui para com o filme além de causar algumas bocas abertas -, pode-se chegar à conclusão de que o próprio Cláudio Assis tem apreço por esses ângulos e modos de obtê-los, e que seus filmes novamente me deixam a impressão particular de falarem por “mentiras”. Alguns planos abertos são sim lindos e conseguem capturar os climas desejados, principalmente quando a “mundão” de cenário: mas de resto, exuberância que ingere demais.

Da Ingerência do Nordeste Sobre os Temas

Mesmo sendo o filme de Cláudio Assis mais apartado do escândalo, da visceralidade, do escatológico ( ainda que o trabalho do Velho seja o de limpeza de fossas); mesmo que aqui a trama se dê sobre elementos mais identificáveis dentro dos contextos comuns ao que dita a sociedade (uma família, de pai, mãe e três filhos, que sobrevivem do trabalho do Velho e das vendas de perfume por parte da mãe, com todas as disfuncionalidades de direito; e um irmão do velho, sonhador radialista., da vida e sem família, que mesmo sendo sujeito fora do padrão “desejável” pelo institucionalizado ainda cabe bem dentro do tal contexto comum, principalmente quando nos lembramos dos seres que vagueiam pelos outros filmes do diretor); não deixa de haver aquele velho e estranho vício de seus filmes, que embrenham pessoas das mais variadas matizes, mas com evidente juízo de valores por entre as dobras para fazê-las caricatas em sua representação.
Os filmes do diretor costumam ser impregnados pela pobreza, por tipos das beiras sociais, com forte (e falseada) grita dos que estão neles (os filmes) para servirem de personagens e histórias que bradariam contra o estabelecido. E mesmo aqui em Big Jato, quando há pessoas mais dentro do contexto (num filme que fala mais calmamente, resgata memórias de alguém que escapou da “pequena apartação”, o poeta que narrará num tempo futuro incerto sobre o que ocorrerá e preencherá os espaços), isolar o que é afeminado (e destacando-o como tal por cenas que são de preconceito contar tipos), novamente trazer as questão das prostitutas como o primeiro caminho para o homem (e isso de olhá-las como companheiras, amigas, romantizando seu mundo) sem jamais tocar o fato de serem exploradas e estarem ali por falta de opção, indignadas que são pela sociedade machista, ou de fazer da mulher batalhadora do motorista do caminhão a que reagirá uma vez, mas com explosão de histeria, por exemplo, a forte carga conservadora do nordeste (de bom quinhão de todo país, mas lá com algo de conservadorismo camuflado pelos que podem expor suas ideias) acaba por servir como caminho pitoresco aos fatos, às ligas das situações, numa espécie de manutenção do que foi esse olhar para lá e para situações similares nos instantes em nosso cinema foi cooptado pelos europeus culpados e felizes diante de nosso modo pitoresco de ser, décadas atrás.
A ingerência desse nordeste arraigado na formação genética do diretor novamente o compele a tratar personagens, situações e temas complexos, com o mesmo falseado olhar observador do de fora. Seus filmes sempre se valeram do tratamento dos temas ancestrais de lá pela observação nada confiável de contestação ou humor, e mesmo aqui isso fica evidente.

Da Ingerência de Cláudio Assis Ingerindo Sobre Seu Cinema

O diretor surgiu como um contestador, como o escandaloso bem-vindo dentro de uma cinematografia pós-retomada que por vezes pareci extremamente bem, comportada. Se valeu de bons atores para tentar validar o que seria dessa grita contra tudo, desse ataque ao velho nordeste resquício do coronelismo: neste filme de agora é esperto ao valer-se das duas grandes interpretações engendradas por Matheus Nachtergale. Se valeu dos bons textos de Hilton Lacerda, e de fotografias quase sempre assombrosas. Mas sempre se impôs acima de tudo com métodos que “necessitavam” da grita externa, do oral berrando antes do filme, do escândalo pessoal, para validar propostas que não se venderiam por si só, a quem quisesse atentar a elas com um tanto mais de dedicação: e não com tanta adoração meio cega.

Big Jato, numa primeira visada, poderia ser o seu melhor filme: com certeza o mais calmo, que faz até pensá-lo um que envelhece e estaria traçando novos caminhos mais amadurecidos. Mas carrega na gênese e nas entrelinhas, entre-imagens, todo o esquema que sempre foi seu, e isso, com o decorrer e já distantes do início leva a não crer na “redenção”. E se a grita foi sempre um método seu de atrair os holofotes para potencializar seus trabalhos por transgressão do autor, ontem à noite, na exibição do filme aqui em Brasília, ele tomou uma espécie de troco de parte da plateia, que o vaiou, xingou de machista e tal (por conta do episódio ocorrido na coletiva de Ana Muylaert, no Recife, relativo a seu filme A que Horas Ela Volta, quando bêbado junto como Lírio Ferreira externaram muito de seu modo machista de ver a vida). Situação tão importante quanto estranha: porque se nota que as reações se dão a partir do evento ocorrido em redes sociais (“os locais dos tantos justos de plantão”: um fenômeno também do mal), como se seus discursos, atitudes e cinema pregressos não existissem para mostrá-lo assim, antes.

Texto publicado sob licença de www.cinequanon.art.br