BRASÍLIA 2015: “PARA MINHA AMADA MORTA”, UM THRILLER COM SURPREENDENTES DERIVAÇÕES.

Para Minha Amada Morta

por Cid Nader, de Brasília.

Direção: Aly Muritiba
PR ,  113 minutos. 

Quando durante festivais e mostras de cinema, com aquela urgência de ter de escrever um texto ou crítica para que o calor do momento tenha sua validação de forma mais justa (balanços e elaborações mais amplas podem ser deixadas para algum futuro, mas essa urgência da resposta é algo real com necessidade), por vezes ocorre de acontecer sequência onde filmes de “arrisco” na linguagem, nos quais jamais camadas poderão ser compreendidas pela obra disposta diretamente na retina, entopem as sessões, passando a gerar certa neurose sobre procedimento de escrita e análise: ou porque filmes de “diversas camadas” exigem demais, ou porque a grande maioria mesmo transita por essas camadas com falsidade de proposta complexa, com fingimento, como modo de se fazerem “bacaninhas” para galera específica. Portanto, topar com um filme como é este Para Minha Amada Morta, que de cara – ao expor os fatos, ao adotar tônus narrativo com características principais bem mais à mão, bem mais à retina, bem menos metido a besta, bem mais saudável no seu caminhar em tela – poderia ser depreendido como um thriller, por exemplo, num festival, e principalmente por ser de bom resultado, causa a sensação de que há muita gente por aí dando cabeçada, enquanto algo de diálogo mais aberto, se bom cinema (se bom nos tratos bons da arte técnica que é esse cinema) desanuvia porvires.

Aly Muritiba, que já havia ingressado o universo dos longas-metragens com o instigante documentário A Gente, parece ter consciência e segurança ao transitar por um quinhão que abre caminhos de perfis ligados a um cotidiano que trisca a violência: não a violência que gera a manchete escandalosa, não a violência que se oferece como espetáculo de fácil impacto, mas algo relativo a “gentes” que de alguma maneira vivem o cotidiano paralelo dela, ou trabalhando no sistema que a pune e observa, ou indo um tanto mais além, quando faz um desses seres que com ela trabalham alguém propenso a guinar seu rumo, mudar de lado e passar a ser potencial figura punível e observada – como é um dos motes possíveis embutidos na proposta desse seu longa, agora de ficção pura.

No longa, Fernando Alves Pinto é um viúvo que leva a vida caseira entre cultuar a mulher, falecida há pouco tempo, e cuidar do filho (com extremo carinho – belas cenas do relacionamento entre os dois, que fluem com extrema naturalidade, numa atuação mirim surpreendente pela contenção do garoto), basicamente: trabalha como fotógrafo da polícia. Dispostas as cartas base do filme, disposta o que pareceria a pegada principal, o rumo, que fazia supor um trabalho de melancolia saudosista, com potencial viés de ser suficiente para preencher boa parte do plano de um longa-metragem. Mas não é “somente” disso que sobreviverá a história (se bem que o pilar que ela representa sustenta todas as razões e mudanças subsequentes), e a direção passa a revelar que a ideia da continuidade, a que preencherá os motivos do nascimento dessa ideia vão além (repetindo que é pilar, de todo modo), direcionando os caminhos para um filme que poderia ser definido como o thriller citado anteriormente, mas com derivações das ações que surpreenderão por todo o processo.

Uma das grandes virtudes – para além daquela de ser trabalho que não nos exige queima dos neurônios, e isso com qualidade – reside no que é o comportamento que se vai sendo oferecido por todo o porvir para fora do lar/altar, num jogo de tensão e retração, tensão e retração, quase como numa negação do que seria de thrillers comuns, para um mergulho no que é de thrillers que possibilitam o tempo ao que agirá, proporciona chances ao que será alvo: há a questão humana sendo tratada de maneira a jamais permitir que clichês sejam fixados além de uma certa e até necessária razoabilidade. Essa virtude da questão humana surgindo acima do que é meio regra em similares – sem adiantar nada sobre desfechos, sem citar sobre se a tensão ou a retração “vencerão” –, empresta a Para Minha Amada Morta raridade, quase que ineditismo (da maneira que se conduz), elevando seu patamar, mostrando boa capacidade compreensão do diretor nisso do trato das coisas duras, do cinema que pode atrair pela fórmula, mas distanciando-se do comum extremado, ao deixar que as questões humanas vigem mais acima ainda – sem gostar de citar exemplo, até um certo momento poderia ser um Cabo do Medo, mas vai além, ou ao lado quando tudo constatado.

Tecnicamente, Aly e os seus buscam muito a contemplação dos espaços num primeiro instante, quando é da cultuação e do amor ao filho que o filme trata; quando vai ás ruas, como no que seria mais plausível à proposta, câmeras colocam-se à espreita, perseguem sutilmente e investigam; mais à frente ainda, quando o jogo da tensão/retração inicia, e quando questões de mergulho, a diversas compreensões, e de diversos humanos assomando à vida do protagonista, a opção se faz pela câmera que persegue de perto (algo como que uma “escola irmãos Dardenne” sendo a orientadora), criando urgência e adensando o jogo. Esteticamente, a valorização das cores primárias cria um aspecto que separa o filme do que é mais comum nos dias atuais, quando contrastes e nuances de supertexturas parecem ser a regra – juntamente com PBs hipercontratados -: algo que num primeiro instante causa estranheza, mas que pelo decorrer, pelos ambientes usados, pelas vidas observada, revela-se acerto. A atuação de Fernando Alves Pinto é que parece ser o ponto mais destoante: prum personagem que nasce para ser aquele do ritmo sofrido, observador, de respiração pausada, de buscas, seria de se esperar variações mais constantes por entre tais possibilidades, o que fica evidente pelo andar que não ocorre, quando por quase todo o sempre nas ruas, fora do lar inicial, atua de modo mais para o monocórdio, repetindo algo que lhe parece vício pelos pregresso da carreira.

Pensando num “filme comum” caindo bem-vindamente em nosso colo: filmes não necessitam ser geniais para valerem a atenção; filmes podem ser geniais sem serem obscuros e provocadores em tempo integral (se bem que filmes das muitas camadas – repetindo a definição inicial – são os que mais provocam a ida a seu destrinchamento; se bem que filmes de linearidade e aparência mais fluída, também podem estar plenos de subcompreensões, ou de genialidades, e são bom cinema, percentualmente pau a pau com o que é “cabeça” – aliás, boa parcela do grande cinema ianque de filmes geniais e bons, tem fácil diálogo também com o público que vai a uma sala de exibição para aproveitá-lo como produto de passatempo.

P.S.: como categorizações ou referências pouvo me interessam, falar emn thriller, subtrillher ou Chabrol (como ouvi de necessitados de encontrar referências) parece bem segundo plano.

Texto publicado sob licença de www.cinequaon.art.br