BRASÍLIA 2016: O CHOQUE DAS IDENTIDADES CULTURAIS EM “ANTES O TEMPO NÃO ACABAVA”.

Por Celso Sabadin, de Brasília.

“Como é bom ouvir os apresentadores do Festival dizendo que o filme veio do Amazonas!”. Assim o diretor Sérgio Andrade apresentou seu novo longa, “Antes o Tempo Não Acabava”, neste 49º Festival de Cinema de Brasília: saudando a região norte, e lembrando que “tem muita gente filmando no Amazonas”. O que acontece em função de políticas públicas de descentralização do audiovisual que não podem nunca ser abandonadas, nas palavras de Andrade, bastante aplaudido depois do já tradicional “Fora Temer”.

“Antes o Tempo Não Acabava” mostra os conflitos de um jovem indígena (Anderson Tikuna) dividido entre a forte herança cultural de seus ancestrais e os apelos consumistas da modernidade. Com traços de índio e sangue de índio, ele quer trocar seu nome para um “nome de branco”,  e secretamente se diverte dançando “All the Single Ladies” diante do espelho. Sabe pintar o corpo como seus ancestrais, mas o tradicional urucum é substituído pelo batom vermelho do salão de cabeleireiro onde trabalha, após abandonar o repetitivo e massacrante emprego que tinha numa linha de montagem industrial. Entre os chamados místicos de sua cultura original, com a qual inevitavelmente continua sintonizado, e o desejo de libertação de preceitos religiosos que combate, o rapaz ainda terá de lidar com as descobertas de sua própria sexualidade.

“Antes o Tempo Não Acabava” tem o grande mérito de levantar importantes questões sobre as transformações socioculturais indígenas sem nenhum tipo de panfletarismo ou didatismo que muitas vezes contaminam as obras audiovisuais que tratam do tema. Pelo contrário, provoca a reflexão através do silêncio e da contemplação concentradas no protagonista, ao mesmo tempo em que proporciona um retrato fiel de Manaus e sua periferia, locais onde o filme se passa.

Trata-se do segundo longa de Sérgio Andrade, após o premiado “A Floresta de Jonathas”. Aqui, a direção é compartilhada com Fábio Baldo, premiado curtametragista que estreia na direção de longas. Coproduzido por Brasil e Alemanha, “Antes o Tempo Não Acabava” tem distribuição contratada para o circuito brasileiro, com estreia prevista para 2017.

Celso Sabadin viajou a Brasília a convite da organização do Festival.