BUSCANDO MERCADO, CINEMA FRANCÊS SE “AMERICANIZA”.

Lançados no Brasil semana passada, “A Viagem de Meu Pai” e “A Conexão Francesa” usam e abusam da estética estadunidense.  

 Por Celso Sabadin.

É crescente o número de produções francesas que chegam aos cinemas brasileiros. E não por acaso. Distribuidoras independentes como Mares, Califórnia e principalmente Imovision já perceberam que existe por aqui um mercado significativo de cinéfilos cansados das mesmices das fórmulas desgastadas do dominante cinema norte-americano; pessoas dispostas a experimentar iguarias cinematográficas mais refinadas. Por outro lado, já faz um bom tempo que parte do cinema francês despiu-se sua aura hermética, de seus infinitos e infindáveis dramas existenciais recheados à exaustão de digressões filosóficas e fumaças de cigarros que insistiam em beber na fonte de uma Nouvelle Vague já não tão nouvelle assim. Cada vez menos são produzidos aqueles típicos dramas franceses nos quais, em determinado momento da trama, todo o elenco se encontrava numa casa de campo para discutir a relação.

Não deixa de ser irônico: para conquistar mais e maiores mercados internacionais – Brasil incluído – o cinema francês, sempre tão orgulhoso de si, tornou-se um pouco menos… francês. E adequou-se a uma estética mais, digamos, globalizada, em busca de melhores resultados comerciais. Perde a arte, ganha o mercado.

Na semana passada, por exemplo, tivemos a estreia de dois filmes franceses com sabores e estéticas marcadamente globalizadas: “A Viagem de Meu Pai” e “A Conexão Francesa”.

A partir da peça teatral de Florian Zeller, o diretor Phillipe Le Guay (o mesmo de “As Mulheres do Sexto Andar”, também de Zeller,  e “Pedalando com Moliére”), aborda com elegância o tema do envelhecimento. O sempre ótimo Jean Rochefort vive Claude Lherminier, um industrial aposentado e com graves problemas de memória. Oscilando entre o gentil, o divertido, o irascível e o violento, ele se vê obrigado a conviver com a ajuda de enfermeiras e submetido ao rígido controle de sua filha (Sandrine Kiberlain, também ótima). Pelo caminho, como não poderia deixar de ser, emergem antigas feridas familiares que desembocam num inevitável final melancólico. Belas locações marcadamente românticas e trilha sonora incessante ajudam bastante na criação de um clima “internacional” para o filme.

Já “A Conexão Francesa”, dizendo-se “levemente baseado em caso real”, narra uma investigação ocorrida na cidade de Marselha, nos anos 70, visando desbaratar uma poderosa rede de tráfico internacional de drogas. O protagonista é Pierre Michel (o oscarizado Jean Dujardin), um juiz que extrapola suas funções judiciais e banca o herói justiceiro de proporções policialescas. “A Conexão Francesa” apoia-se abertamente na estética norte-americana dos filmes policiais, recheda de cacoetes, e não raramente mimetizando enquadramentos e posições de câmera nitidamente scorsesianas.

A julgar por estes dois filmes – entre outros que já vieram e outros que virão – quando o assunto é a sobrevivência da indústria cinematográfica via conquista de mercados externos, os irredutíveis gauleses não são tão irredutíveis assim.