“CABRAS DA PESTE”, O RESGATE DO (BOM) HUMOR BRASILEIRO.

Por Celso Sabadin.

Em algum momento da história do humor brasileiro, institucionalizou-se que, para fazer comédia, era necessário gritar. Não sei ao certo, mas poderia supor que tal tradição teria vindo do rádio, na época dos programas de auditório, momento em que a tecnologia de microfones e amplificação de som ainda não era desenvolvida o suficiente para levar as vozes dos atores e atrizes cômicos até as últimas fileiras das plateias. De qualquer forma, o clichê do humor gritado perpassou, pelos anos, rádio, cinema e televisão.

Como os meios de produção dos donos da mídia brasileira sempre pertenceram – e continuam pertencendo – às elites, o berro no humor do país cristalizou-se ainda mais através da difusão do preconceito social que pobre é um ser gritalhão. E como para o eixo sul/sudeste pobre é quem vem do nordeste, e pobre é engraçado, o humor produzido pelas grandes emissoras e grandes companhias cinematográficas cuidou de sedimentar todos estes preconceitos de maneira indelével.

Mesmo com vários exemplos gritantes (com o perdão do trocadilho) de grandes cômicos nordestinos de projeção nacional que não usavam o grito como instrumento de humor em suas apresentações (Zé Trindade, Chico Anysio, Renato Aragão …), quiseram os redatores e diretores de comédias brasileiras que o personagem pobre esganiçasse suas cordas vocais para fazer graça no decurso da história. Como era difícil ouvir “A Praça da Alegria”! Como foi difícil ouvir “Lucicredie Vai pra Marte”!

Assim, foi com enorme satisfação que passei mais de uma hora e meia me divertindo com o humor legitimamente nordestino do delicioso “Cabras da Peste”, disponível na Netflix. Sem gritos desnecessários. Muito pelo contrário: boa parte dos criativos diálogos é dita em tom de voz baixo, rápido, quase entredentes, extraindo sua verve cômica até mais daquilo que não foi dito que daquilo que foi dito.

Como o ator principal do filme é o cearense Edmilson Filho (de Cine Holiúdi 1 e 2 e de “O Shaolim do Sertão”), é impossível ver “Cabras da Peste” e não lembrar imediatamente de seu conterrâneo Halder Gomes, diretor destes longas citados. Aqui Halder também deixa sua marca – mas como produtor – entregando a direção a Victor Brandt, que já havia demonstrado talento em “Copa de Elite”.

Lançando mão com humor e criatividade de outra grande tradição da comédia brasileira – a paródia – “Cabras da Peste” satiriza a velha fórmula norte-americana da dupla desajustada de policiais, carrega esta formulação para a realidade brasileira, escrachando-a com classe (incrível como não há piadas escatológicas), ritmo, boas pitadas de crítica social e – importante – sem usar o grito desnecessário como muleta para o riso. O público brasileiro estava merecendo – e precisando – de uma boa comédia pra chamar de sua.