“CADA UM COM SEU CINEMA” PODERIA SER MENOS ESQUIZOFRÊNICO

Coletâneas de curtas-metragens empacotados sob um mesmo tema não são exatamente uma novidade no cinema.”Crianças Invisíveis”, “Paris eu Te Amo” e “11 de Setembro” são alguns exemplos relativamente recentes desta prática.
Porém, nenhuma delas havia mostrado tantos curtas em tão pouco tempo como “Cada um Com Seu Cinema”. São 33 filmetes espremidos em pouco menos de duas horas de projeção, cabendo a cada um deles algo em torno de 3 minutos. A iniciativa de tamanha reforma agrária cinematográfica foi Gilles Jacob, presidente do Festival de Cannes, como parte das comemorações do 60o. aniversário do evento.
Os diretores convidados são todos peso pesados. Veja: Théo Angelopoulos, Olivier Assayas, Bille August, Jane Campion, Youssef Chahine, Kaige Chen, Michael Cimino, Ethan e Joel Coen, David Cronenberg, Jean-Pierre e Luc Dardenne, Manoel de Oliveira, Raymond Depardon, Atom Egoyan, Amos Gitai, Alejandro González Iñárritu, Hsiao-hsien Hou, Aki Kaurismäki, Abbas Kiarostami, Takeshi Kitano, Andrei Konchalovsky, Claude Lelouch, Ken Loach, David Lynch, Nanni Moretti, Roman Polanski, Raoul Ruiz, Walter Salles, Elia Suleiman, Ming-liang Tsai, Gus Van Sant, Lars von Trier, Wim Wenders, Kar Wai Wong e – ufa! Yimou Zhang. Para cada um deles foi feita a mesma proposta: retratar, nestes rápidos 3 minutinhos, o cinema sob o ponto de vista de quem o assiste. Ou seja, o fascínio da sala escura, a emoção da tela grande, os filmes chegando a lugares distantes e assim por diante.

Evidentemente, num painel tão amplo, quase esquizofrênico, o resultado só poderia mesmo ser irregular. Há pequenas preciosidades misturadas a alguns momentos de pouca inspiração e até abordagens repetidas variando sobre o mesmo tema.
Há obviedades também: claro que o episódio de David Lynch é incompreensível, assim como o de Amos Gitai aborda a questão judaica. Representando o Brasil, Walter Salles apresenta dois repentistas cantando as maravilhas do Festival de Cannes naquele ritmo aceleradíssimo que só eles mesmos conseguem. É divertido pensar como isso foi legendado para exibições em outros países.

Se fosse para eleger um favorito, eu votaria em “Anna”, do Mexicano Alejandro González Iñarritu, um belíssimo plano seqüência enfatizando a emoção incontida de uma mulher cega “assistindo” a um filme no cinema. Caberia um segundo lugar ao simpático “Diário de um Espectador”, de Nanni Moretti, que mostra um rápido passeio de um homem (o próprio Moretti) por diversas salas de cinema, onde ele relembra rapidamente que filme viu, com quem e o que aconteceu naquelas projeções de sua memória. Mas Cinema não é Olimpíada, e não é o caso aqui ficar distribuindo medalhas de ouro e de prata para mais de 30 filmes. Vale a experiência, vale o mergulho em dezenas de maneiras mundiais de se retratar a experiência da sala escura.

Lamenta-se apenas que sejam tantos filmes, e que seus diretores dispusessem de tão pouco tempo. Muito se perde pelo caminho. Talvez uma formatação mais elaborada, com mais tempo e menos convidados, pudesse ter rendido um presente de aniversário mais agradável aos olhos, ouvidos e sentimentos dos cinéfilos.
Uma última dica: como o nome do diretor só é revelado ao final de cada episódio, convide um grupo de amigos cinéfilos de carteirinha – daqueles bem radicais – para assistir à sessão do filme e ver quem adivinha o nome do cineasta de cada curta antes dos 3 minutos….