“CASA GRANDE” ESCANCARA O ABISMO SOCIAL BRASILEIRO.

Por Celso Sabadin

Se “O Som ao Redor” analisa os incalculáveis prejuízos sociais causados por uma histórica elite rural nordestina que se urbaniza e perpetua seu predadorismo no momento atual, “Casa Grande”, volta suas lentes para um outro tipo de abismo sócio-econômico brasileiro, igualmente predatório: o da elite urbana carioca (que também poderia ser paulista ou de qualquer outra região) em sua inexorável decadência infestada de preconceitos.

Pode-se dizer que “O Som ao Redor” e “Casa Grande” dialogam enquanto tema, ainda que sejam diametralmente opostos enquanto linguagem e estética. Ambos falam deste novo Brasil que se desenha no século 21, um país que vem discutindo de maneira mais clara e aberta as feridas históricas de seu passado opressor colonial, e como isso tem interferido na formação de uma sociedade que se pretende nova.

Em “Casa Grande”, o foco recai sobre uma família carioca de classe alta que tenta encobrir sua decadência financeira. É neste contexto que o adolescente Jean (Thales Cavalcante) se vê repentinamente obrigado a tomar contato com realidades antes sequer sonhadas por ele, como abrir mão do motorista particular que o levava à escola, andar de ônibus, conhecer as ruas e, consequentemente, perceber o alto grau de hipocrisia que sempre permeou sua família.  Aos 15 anos, Jean começa a aprender que sexualidade é um conceito que vai muito além do quarto da empregada, e que a fragilidade dos pretenses dicursos liberais de seu pai (Marcelo Novaes) não resistem sequer ao primeiro uísque.

A tal casa é, sim, grande, mas tem a solidez de um castelo de cartas.

O filme se mostra urgente mais pelo tema que analisa que propriamente pela maneira que o faz. Marcando a estreia no longa ficcional do diretor Felipe Barbosa, a obra alterna belos momentos narrativos (como o ótimo final, por exemplo) com trechos que por vezes esbarram num didatismo pouco cinematográfico (como a questão das cotas raciais). Nada, porém, que tire a força da importantíssima discussão que propõe.

“Casa Grande” fez parte da seleção oficial do finado e saudoso Festival de Paulínia, onde recebeu os prêmios Especial do Júri, Melhor Ator Coadjuvante (Marcello Novaes), Melhor Atriz Coadjuvante (Clarissa Pinheiro) e Melhor Roteiro (Fellipe Barbosa e Karen Sztajnberg). No Brasil, ainda recebeu prêmios no Festival do Rio 2014 (Melhor Filme – Júri Popular), na 38ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (Prêmio ABRACCINE), na VII Janela Internacional de Cinema do Recife (Melhor Montagem – Nina Galanternick e Karen Sztajnberg) e no 8º Panorama Internacional Coisa de Cinema (Prêmio Especial do Júri). O filme participou de vários festivais internacionais (Rotterdam, San Sebastian, BAFICI, Taipei, BFI London, Jeonju, entre outros), tendo sido premiado em Toulouse (prêmio do público e dois prêmios da crítica – Fipresci e francesa) e Dinamarca (menção Honrosa do Júri).