Casa Vazia

O cinema oriental ataca novamente. E com muita qualidade! Co-produzido entre Japão e Coréia do Sul, Casa Vazia é um drama belo e hipnótico que merece ser conferido com muita atenção. O filme começa de maneira simples e despretensiosa, mostrando um jovem distribuindo panfletos publicitários em portas de casas e apartamentos. Um gesto corriqueiro que revela intenções pouco nobres: no dia seguinte, o rapaz observa as residências que ainda mantêm os folhetos presos às portas, o que sinaliza o título do filme – casa vazia – e, portanto, passível de ser arrombada. Um ladrão? Não. Novamente o roteiro nos prega uma peça e mostra que o jovem entra nas casas apenas para tomar um bom banho, ver um pouco de TV e desfrutar de uma boa noite de sono. Assalto, só às geladeiras. Em troca, ele conserta algo que esteja quebrado e ainda lava algumas peças de roupas da residência invadida. Quando percebe que o dono pode voltar, vai embora.
O conflito começa de fato quando o rapaz, numa de suas invasões, conhece uma modelo agredida pelo marido. A identificação entre ambos é imediata. Cada um parece projetar no outro o apoio necessário para suportar suas contrariedades. Ele, vitimado pela extrema solidão, se solidariza com ela na dor. Ela, com hematomas físicos e emocionais, vê nele a fuga possível. Os dois outsiders ensaiam uma associação amorosa e “profissional” no ofício do arrombamento.
O diretor e roteirista sul coreano Kim Ki-Duk Spring, (de Verão, Outono, Inverno… e Primavera) traça em Casa Vazia um doloroso e poético painel sobre a solidão e o isolamento. A direção é extremamente sóbria e minimalista, onde não é necessário sequer que os protagonistas se expressem verbalmente para externar suas dores. Não há uma única palavra trocada pelo casal protagonista. Já os coadjuvantes falam normalmente. Mas o que é “normalmente”? Esta profunda dicotomia entre o verbal e o não verbal contribui para que os protagonistas sejam colocados num outro plano, numa espécie de limbo situado alguns patamares acima da existência banal e cotidiana. Mais que isso, o rapaz arrombador de casas ainda desenvolve um treinamento para passar o mais despercebido possível de todos, para quase “desaparecer”, numa licença poética que pode simbolizar um verdadeiro nirvana dentro de um insatisfatório cotidiano material. Se o Budismo prega que o homem deve se desprover de tudo o que ele não possa carregar consigo, o filme propõe – radical e poeticamente – que o próprio peso do nosso corpo faça parte deste desprendimento.
Vencedor do Prêmio da Crítica em Veneza, Casa Vazia é uma ode ao desapego como caminho para o combate á solidão. Belo, e poeticamente oriental.