‘”CÉZANNE E EU”, O RETRATO DE UMA ÉPOCA DE TRANSFORMAÇÕES.

Por Celso Sabadin.
 
O pintor francês Paul Cézanne e o escritor italiano naturalizado francês Emile Zola – dois dos nomes mais representativos do cenário artístico mundial dos últimos séculos – na realidade eram duas almas atormentadas. Pelo menos na leitura de “Cézanne e Eu”, longa escrito e dirigido por Daniéle Thompson, cineasta que tem em seu currículo uma indicação ao Oscar de roteiro por “Primo, Prima”.
O filme mostra a amizade de Cézanne (Guillaume Galliene) e Zola (seu xará Guillaume Canet) desde a infância. Mesmo sendo diferentes entre si, ambos passaram a juventude e a idade adulta dividindo confissões, segredos, aflições, vinhos, amigos e mulheres. Ambos dividem também o pânico de não conseguirem se expressar artisticamente. São medos e inseguranças de quem se percebe como instrumento de uma inquietação artística que lhes queima as vísceras, mas não flui com a desenvoltura desejada. Cézanne mais destrói que constrói telas, enquanto Zola tem, a cada livro, um verdadeiro parto depressivo.
 
Talvez mais interessante ainda que as sofridas biografias destes artistas seja a época de grandes transformações que o filme retrata: aquela virada de século 19 marcava uma profunda mudança de hábitos e costumes em função do impacto da chamada segunda Revolução Industrial, que alteraria definitivamente a sociedade. O mundo das artes não sairia ileso: vemos os protagonistas (e vários outros artistas ao redor deles) perdidos com os critérios do Salão de Paris, que até então era o grande validador da qualidade artística vigente, e que na época começa a perder seu reinado como formador de parâmetros. Uma breve passagem também discute a função da fotografia como arte, que Zola aceita e Cézanne rejeita. “Os museus deveriam se transformar em estações ferroviárias, porque agora as pessoas só estão interessadas em andar de trem”, afirma um dos personagens, sublinhando com ironia aquele período tão transformador. Será o início do reinado de Sua Majestade, o Mercado.
 
Como costuma acontecer em filmes sobre pintores famosos, todo o visual de “Cézanne e Eu” é dos mais caprichados. Figurinos, fotografia, direção de arte e principalmente as belíssimas locações em Aix-en-Provence, onde Cézanne de fato viveu, são de encher os olhos, como que criando um cruel e abissal contraponto entre os fantasmas interiores que assombram os protagonistas e a beleza do exterior que os rodeia.
A lamentar somente uma certa resistência da diretora em parar de movimentar sua câmera por pelo menos alguns minutos, mas nada que tire a beleza e o brilho desta bela história de amizade, amor e arte.