“CHÉRI” DESENHA PAINEL SOCIAL EUROPEU PRÉ-PRIMEIRA GUERRA.

París, início do século 20. As artes e os costumes liberais conhecem o seu apogeu durante o período que ficou conhecido como Belle Époque. Em meio à riqueza e à opulência, duas ex-prostitutas de alto luxo, milionárias após anos de serviços prestados aos mais altos escalões da política e da realeza, tentam encarar a aposentadoria com tranquilidade e dignidade. A ainda belíssima Lea (Michelle Pfeiffer) e sua amiga/rival Madame Peloux (Kathy Bates) trocam farpas, conversas, confidências e falsas gentilezas sempre que possível. E têm um fortíssimo ponto em comum: Lea está apaixonada pelo jovem Chéri (Rupert Friend), ninguém menos que o filho de Madame Peloux, o que só faz aumentar a animosidade entre elas.

A partir do livro “Chéri”, que a polêmica autora francesa Gabrielle Colette (1873-1954) escreveu em 1920, o roteirista e dramaturgo Christopher Hampton e o diretor Stephen Frears criaram um painel dos costumes, da moral (ou da falta dela), e dos jogos de aparência de uma parte da alta sociedade europeia pré-Primeira Guerra Mundial.

Não é a primeira vez que Hampton e Frears trabalham juntos. Eles já haviam realizado com muito sucesso o premiado “Ligações Perigosas”, de 1988. Hampton, um talento vindo do teatro, também roteirizou “Desejo e Reparação” (que teve direção de Joe Wright), entre outros. Frears, por outro lado, já é um nome bem mais conhecido dos cinéfilos, em função de seus sucessos “Minha Adorável Lavanderia”, “Liam”, “Alta Fidelidade”, e “A Rainha’’, entre muitos outros.

“Chéri”, ainda que com resultados interessantes, fica um pouco aquém da média dos trabalhos do ótimo Frears. O filme enche os olhos através da direção de arte e da fotografia nunca menos que exuberantes, onde cada fotograma é praticamente transformado numa belíssima pintura. Esta impressionante precisão estética chama a atenção ao se compor (e se contrapor) integralmente com o conteúdo temático do roteiro: Lea e sua antagonista são mestres do mentir e do fingir, colocando as aparências acima de tudo. Trata-se de uma sociedade em que se regojiza em grupo e se sofre em solidão. Um universo de questionáveis valores morais que o filme, sabiamente, faz questão de não julgar.

Contudo, entre tanta beleza estética, a direção não consegue passar para o público a mesma carga emotiva que seus protagonistas estariam destilando na trama. “Chéri” é um pouco distante, uma tela algo fria, belissimamente emoldurada.