CHINÊS “CÃES ERRANTES” EXIGE DO PÚBLICO, MAS SABE RECOMPENSÁ-LO.

Cães Errantes
Por Celso Sabadin

Provavelmente os planos mais longos, estáticos e contemplativos do cinema desde Tarkovsky não são exatamente a porta de entrada mais fácil para conquistar a atenção do público. Mas Tsai Ming-Liang, o mesmo diretor de “O Rio” e “O Sabor da Melancia”, não parece nem um pouco preocupado com facilidades. Nem com público.
Em “Cães Errantes” a ideia é expressar a angústia de um pequeno núcleo familiar que abandona a vida na exuberância da natureza para buscar a sobrevivência na opressão urbana da cidade grande. E põe opressão nisso.

Para este pai e seu pequeno casal de filhos, um simples repolho pode virar uma boneca ou uma ferramenta de desespero, um prédio abandonado se transforma em lar, e as refeições são feitas graças à distribuição de amostras grátis em supermercados.

Tudo gira em torno de fortes contrastes. O natural e o belo se confrontam pungentemente com o que há de pior na escala da mão-de-obra urbana não qualificada: transformar um ser humano num inerte poste sob a chuva que tenta vender apartamentos de luxo. Closes sufocantes e tempos perturbadores demoram o que for preciso para arrancar lágrimas de seus protagonistas. O silêncio é incômodo. A noite cai dura e pesada. O novo dia recomeça igual num cotidiano cruel onde uma simples pintura na parede pode assumir proporções obsessivas. Sobreviver é doloroso.

Vencedor do Grande Prêmio do Júri no Festival de Veneza de 2013,“Cães Errantes” exige bastante do seu público. Mas o recompensa sensorialmente na mesma medida de sua exigência.