“CHUVA É CANTORIA ALDEIA DOS MORTOS”, UM MERGULHO PROFUNDO NA NOSSA DISTANTE CULTURA VIZINHA.

Por Celso Sabadin.

Todos nós, cinéfilos, somos apaixonados pelo cinema, que consideramos – não sem motivo – como a grande forma de arte e de expressão do século 20. Vale lembrar, porém, que o cinema também nasceu de forma praticamente simultânea à ferocidade do colonialismo sobre os países menos desenvolvidos. Como consequência, Europa e Estados Unidos sufocaram várias cinematografias nacionais desde o seu nascedouro, tornando-as natimortas. Só havia cinema em países colonizados se os filmes fossem realizados por produtores colonialistas.

A coprodução luso-brasileira “Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos” não chega a ser um ponto muito fora da curva de todo este processo colonial que permanece até hoje (se não na área geográfica, na área cultural).  Afinal, trata-se de um filme sobre índios, produzido e dirigido por brancos, e não pelos próprios índios, como seria (um pouco utopicamente, é verdade) desejável. Mas, pelo menos, trata-se de uma ficção sobre um tema indígena interpretada pelos próprios indígenas, e predominantemente falada na língua krahô (embora o prestigiado site Imdb informe, erroneamente, que se trata de um documentário falado apenas em português). Já é uma evolução.

Tudo começa quando o jovem Ijhac (Henrique Ijhac Krahô) recebe um chamado espiritual de seu recém-falecido pai, pedindo-lhe que seja encerrado o período de luto e que o rapaz siga em frente com sua vida. O que inclui o início dos preparativos para que Ijhac se transforme num xamã, espécie de pajé daquela comunidade. O jovem, porém, não se sente preparado para tamanha responsabilidade, e busca adiar o mais possível esta sua entrada na vida adulta.

As crises existencial e de identidade de Ijhac, entre a adolescência e a maturidade, entre a selva e a cidade, entre a cultura indígena e a branca, constroem a forte linha narrativa de “Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos”, roteirizado e dirigido pelo lisboeta João Salaviza e pela paulista Renée Nader Messora.

“Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos” propõe um mergulho de corpo e alma – via cachoeira – nas crenças, nas inseguranças e principalmente no ritmo da cultura indígena. A deslumbrante fotografia e o envolvente trabalho de câmera (ambos também assinados por Renée Nader Messora) obtêm um profundo efeito de imersão na vida dos Krahô, tornando o longa uma rara experiência sensorial. Um filme para ser saboreado lentamente, na sintonia da diversidade da selva, onde os sons e os silêncios da mata se unem às perturbadoras questões do protagonista para potencializar o abismo cultural entre os povos dominados e os dominadores. E sem os clichês que muitas vezes o olhar colonizado dos fazedores de filmes deitam sobre os seus assuntos.

O filme fez sua estreia mundial na última edição do Festival de Cannes, onde ganhou o Prêmio Especial do Júri da mostra Un Certain Regard. Depois de percorrer mais de cinquenta festivais internacionais e obter 11 prêmios, o longa chega ao circuito comercial brasileiro agora em 18 de abril. Um dia antes do nosso tradicional e tantas vezes mal lembrado Dia do Índio.

Saiba mais sobre os diretores:

JOÃO SALAVIZA – Nascido em Lisboa em 1984. Formado na ESTC, em Lisboa, e na Universidad del Cine, em Buenos Aires. Seu primeiro longa-metragem, MONTANHA, teve estreia mundial na Semana da Crítica do Festival de Veneza, em 2015. Veio na sequência de uma trilogia de curtas formada por RAFA (Berlinale Golden Bear 2012), ARENA (Palme d’Or no Festival de Cannes 2009) e CERRO NEGRO (Rotterdam em 2012). Recentemente voltou ao Festival de Berlim com os curtas ALTAS CIDADES DE OSSADAS e RUSSA (codirigido com Ricardo Alves Jr). CHUVA É CANTORIA NAALDEIA DOS MORTOS, co-dirigido com Renée Nader Messora, é seu segundo longa-metragem.

RENÉE NADER MESSORA  – Nascida em São Paulo, em 1979. Formada em Direção de Fotografia pela Universidad del Cine, em Buenos Aires. Por 15 anos, trabalhou como assistente de direção no Brasil, Argentina e Portugal. Em 2009, Renée Nader Messora conheceu os Krahô e, desde então, ela trabalha com a comunidade, contribuindo na organização de um coletivo de jovens cinegrafistas. O foco do trabalho do grupo Mentuwajê Guardiões da Cultural é usar as ferramentas audiovisuais para o fortalecimento da identidade cultural e a autodeterminação da comunidade. CHUVA ÉCANTORIA NA ALDEIA DOS MORTOS é seu primeiro longa-metragem.