“CIDADE; CAMPO” BORRANDO FRONTEIRAS.
Por Celso Sabadin.
Pelo menos até onde eu me lembro, “Cidade; Campo”, novo longa da roteirista e diretora Juliana Rojas, é o único filme que tem ponto e vírgula em seu título. E não é à toa. Este recurso tão útil e esquecido do nosso idioma – o ponto e vírgula – se encaixa perfeitamente na proposta do longa. Basicamente, são duas histórias sobre questões de adaptação entre as vidas urbana e a rural.
Na primeira, Joana (Fernanda Viana), uma entre as milhares de vítimas dos crimes ambientais cometidos pela Samarco, pela Valle e por outras empresas pelo interior de Minas Gerais, viaja a São Paulo para pedir guarida a sua irmã.
A luta pela sobrevivência de Joana na cidade grande passa pela terceirização precarizada da mão de obra, por questões de assédio e solidão. Mas ela procura se manter fiel às suas – literalmente – raízes interioranas, sem jamais deixar de observar mineiramente o cotidiano ao seu redor, tampouco abandonar o hábito de cultivar a própria horta. Talvez assim seus fantasmas se tornem mais suportáveis.
No trajeto inverso da primeira história, a segunda enfoca as dificuldades de adaptação de duas mulheres urbanas – Flávia (Mirella Façanha) e Mara (Bruna Linzmeyer) – em seus processos de tentativa de trocar a cidade pelo campo. Herdeira na fazenda herdada de seu pai, Flávia vê na propriedade a oportunidade ideal para abandonar seu enfadonho emprego de técnica de informática. Para isso ela conta com a ajuda da companheira Mara, veterinária de profissão, mas que mantém um emprego igualmente insatisfatório.
Como já é costumeiro na obra de Juliana Rojas, “Cidade; Campo” também explora com criatividade o estranhamento vindo de duas de suas fontes preferidas: o terror e o musical. O uso criativo destes dispositivos reside no fato da cineasta borrar as fronteiras engessadas entre aquilo que se convenciono chamar de “gênero cinematográfico”, transitando com desenvoltura entre vários deles, sem a necessidade reducionista de fixar-se a nenhum deles em particular.
O resultado, se por um lado pode incomodar os paladares cinematográficos mais conservadores, por outro abre o leque de opções narrativas à disposição da artista, que acaba assim trafegando livremente por este estilo já bastante característico da obra do coletivo paulista Filmes do Caixote.
Coproduzido por Brasil, França e Alemanha, “Cidade; Campo” estreou mundialmente no Festival de Berlim, premiando Juliana Rojas como a melhor direção da mostra Berlinale Encounters. Participou depois de vários festivais como, Cinelatino /Toulouse, Montevideo / Uruguay, FICCI / Cartagena, Pink Apple / Zurich e Indie Lisboa, onde ganhou prêmio de melhor filme queer, e Taipei IFF.
No Brasil, fez sua primeira exibição pública no recente Festival de de Gramado. A estreia comercial aconteceu na última quinta-feira, 29/08, em mais de 20 cidades brasileiras, com ingressos a preços reduzidos, dentro do projeto Sessão Vitrine Petrobras.
Quem dirige
Juliana Rojas é diretora, roteirista e montadora de curtas e longas metragens e séries de ficção. Dentre seus trabalhos solo como roteirista e diretora de cinema, se destacam os premiados curtas-metragens: O Duplo (Menção Especial – Semana da Crítica, Cannes 2012), Pra eu dormir tranquilo (Melhor Curta – Grande Prêmio do Cinema Brasileiro), A Passagem do Cometa (Seleção Oficial – Festival de Rotterdam 2018), e o longa Sinfonia da Necrópole (Prêmio FIPRESCI em Mar del Plata IFF e Prêmio da crítica no Festival de Gramado 2014).
Em parceria com Marco Dutra, realizou os curtas O Lençol Branco (Cinéfondation, Cannes 2005) e Um Ramo (Prêmio Descoberta Kodak – Semana da Crítica, Cannes 2007), e os longas Trabalhar Cansa (Un Certain Regard, Cannes 2011) e As Boas Maneiras (Prêmio Especial do Júri no Festival de Locarno e Melhor Filme no Festival do Rio, ambos em 2017).
Como roteirista de séries de ficção, participou de Supermax (Rede Globo), 3% (2a. Temporada – Netflix) e Boca a Boca (Netflix). Dirigiu episódios de Boca a Boca (Netflix), Terrores Urbanos (Record) e Tarã (Disney Plus – em finalização).
Cidade; Campo é seu quarto longa-metragem de ficção, produzido pela Dezenove Som Imagens, em co-produção com a Sutor Kolonko, da Alemanha, onde em 2021 foi contemplado com o prêmio do World Cinema Fund e com o Film- und Medienstiftung NRW. O projeto foi selecionado para o fundo The Films After Tomorrow do festival de Locarno 2020 e ganhou o Prêmio de melhor projeto internacional pelo júri jovem. O filme também é co-produzido por Good Fortune Films, da França, onde conseguiu o apoio Aide aux cinémas du monde, do CNC. No Brasil, o filme conta com apoios da Ancine, Spcine, Fundo Setorial do Audiovisual e do Instituto Olga Rabinovich, com o Projeto Paradiso. Em 2024, Juliana Rojas participou do Júri da Palma Queer do Festival de Cannes e foi convidada, pela Academia de Ciências e Artes de Hollywood, juntamente com mais sete profissionais brasileiros, a participar da entidade.