“CIDADE DOS HOMENS” FECHA A SAGA COM TALENTO E QUALIDADE

Um dos maiores “defeitos” que está sendo apontado no filme “Cidade dos Homens”, é que ele seria muito parecido com “Cidade de Deus”. Que faltaria uma visão mais nova sobre o tema. Discordo. Ser parecido com o excelente “Cidade de Deus” não pode ser considerado um demérito. E não há como negar que os projetos são irmãos.
Relembrando: os personagens Acerola (Douglas Silva) e Laranjinha (Darlan Cunha), dois meninos que fazem o possível para sobreviver com alguma dignidade no sub-mundo dos morros cariocas, foram criados pelo escritor Paulo Lins para o curta-metragem “Palace 2”, de 2001, que por sua vez era um balão de ensaio para “Cidade de Deus”, que Fernando Meirelles viria a dirigir no ano seguinte. O sucesso do longa incentivou a realização do seriado de TV “Cidade dos Homens”, produzido entre 2003 e 2005, que retoma a trajetória de Acerola e Laranjinha. Agora, com o seriado já fora de produção, entra em cartaz nos cinemas “Cidade dos Homens, o Filme”, uma espécie de despedida destes personagens.
Tudo se passa no período de 30 dias em que tanto Acerola como Laranjinha completarão 18 anos de idade. A chegada da maioridade mexe com os pensamentos e sentimentos dos rapazes. Ainda que unidos desde a infância, ambos vivem agora situações um pouco diferentes. Acerola está preocupado com o filho de dois anos que tem para criar, enquanto o problema de Laranjinha é não ter um pai que possa assinar seus documentos de maior de idade. Tudo, é claro, debaixo do fogo cruzado diário que é a vida na favela. A Paternidade é o grande tema do filme, embora em situações opostas. Acerola, ao mesmo tempo em que se vê obrigado a lidar com sua paternidade precoce, passa então a ajudar o amigo na busca pelo pai dele. E quando o círculo finalmente se fecha, a amizade entre os dois será colocada numa prova de fogo.
Escrito a quatro mãos por Paulo Morelli e Elena Soarez, o roteiro de “Cidade dos Homens” é envolvente e bem resolvido. Um rito de passagem tanto para os personagens que se vêem pressionados a tomar decisões radicais em suas vidas, às vésperas de suas maioridades, tanto para o filme, que encerra assim de maneira marcante uma saga iniciada há seis anos e que deixou bons frutos tanto no cinema como na TV.
Esteticamente, “Cidade dos Homens” mantém a coerência do projeto como um todo: câmera na mão, enquadramentos “nervosos”, cor e grão estourados, senso de urgência, jeitão de cinema documental. Provavelmente vai ser criticado novamente por fazer a tal “apologia cosmética da fome”. Bobagem. O filme tem direção segura de Morelli, constrói seus personagens com talento e consegue uma impressionante coesão interpretativa de todo o elenco. É ótima também a idéia de utilizar “flash-backs” do seriado, mostrando antigos momentos de Acerola e Laranjinha. O espectador mais desavisado pode até perguntar: onde eles foram arrumar atores mirins tão parecidos com os atuais? Não foram. “Todos” eles são os mesmos Douglas Silva e Darlan Cunha – meninos no morro também na vida real – em imagens captadas entre 2001 e 2006. Por que? Pensou que só Harry Potter podia?