“CINE MARROCOS”, MUITO MAIS QUE UM FILME SOBRE UM CINEMA.

Por Celso Sabadin.

Pense num documentário sobre um antigo cinema que fechou. Pensou? Depoimentos de gente lamentando, tristeza, reclamações sobre a falta de incentivo à cultura, belas fotos em preto e branco sugerindo que tudo antigamente era melhor, simulacros insistentes da verdade absoluta…
Pensou nisso tudo? Então pensou errado. O documentário “Cine Marrocos”, de Ricardo Calil (o mesmo de “Uma Noite em 67”, codirigido com Renato Terra) vai na contramão do choro e do saudosismo passadistas e retrata seu objeto – um antigo cinema fechado – com vigor, política, arte, humanidade e denúncia.

No filme, brasileiros sem-teto, imigrantes latino-americanos, refugiados africanos, homens, mulheres e crianças moradores do histórico cinema que marcou época no centrão de São Paulo utilizam aquele espaço icônico para – pasmem, como diriam os antigos locutores – recriar cenas de filmes clássicos. Os mesmos que foram outrora apresentados ali, neste cinema de luxo que tinha até fonte luminosa em seu saguão, e onde eu me lembro de ter visto, se não me engano, algum filme de 007, ou “Soylent Green”, ou talvez os dois, não sei.

Mas não pensem que o documentário apenas se apropria deste espaço histórico para criar sua experimentação cinematográfica. Nada disso. Ao penetrar nas profundezas do imenso prédio, Calil desvenda histórias, passados e presentes que se interpenetram e se estranham da mesma forma que o universo escuro e silencioso do interior do ex-cinema se choca com o barulho e as luzes que machucam do lado de fora da rua Conselheiro Crispiniano.
Neste cenário lúgubre, o fantasma não é o da ópera, mas o da reintegração de posse. Novamente, também aqui, só a arte salva.

“Cine Marrocos” venceu o É Tudo Verdade em 2019, foi premiado com o Golden Dove na categoria Next Master no DOK Leipzig, festival de documentários mais antigo do mundo, na Alemanha, em 2018; Melhor Documentário no FICG – Festival Internacional de Cinema de Guadalajara, no México, em 2019; e selecionado para o Festival Internacional del Nuevo Cine Latinoamericano, em Havana, e o DocAviv – Festival Internacional de Documentários de Tel Aviv, em Israel, em 2019.

Estreia nos cinemas em 03 de junho.