CINEMA ARGENTINO EMOCIONA NOVAMENTE COM “AS LEIS DE FAMÍLIA”

Numa determinada cena do belo filme argentino “As Leis de Família”, um garotinho de dois anos está vendo um desenho animado na televisão Seu pai se aproxima e lhe faz uma pergunta sobre o tal desenho: “Quem é o Bem e quem é o Mal?“ O menino parece não entender. O pai reforça: “Sim, é preciso que exista sempre um Bem e um Mal”. O momento é emblemático, já que o personagem dita uma regra simples da dramaturgia que o próprio filme faz questão de desconsiderar. Em “As Leis da Família” não existe Bem nem Mal. Trata-se “apenas” de um belíssimo retrato cinematográfico que investiga com poesia e ternura o relacionamento entre três gerações masculinas de uma família de advogados. Percebe-se aí o motivo pelo qual o “apenas” está entre aspas.
O filme é todo contado sob o ponto de vista de Ariel Perelman (Daniel Hendler, que já havia trabalhado com o diretor em “O Abraço Partido”), um jovem defensor público e professor de direito que mantém um relacionamento algo frio e distante de seu pai, o respeitado advogado Bernardo Perelman (Arturo Goetz, de “A Menina Santa”). Apesar de ambos serem advogados, pai e filho não trabalham juntos. E aos poucos se percebe que eles não fazem quase nada juntos. E provavelmente nunca fizeram. Nunca sequer se perceberam. A ponto de durante um sorvete informal um perguntar para o outro: “Você sempre foi canhoto?”.
O que acontece no filme importa pouco. Vale mesmo é como acontece. Ariel “elege” sua esposa entre suas alunas, casa-se com ela, tem um filho, e aos poucos parece tentar retomar o elo perdido com seu pai. Tudo com uma impressionante frieza. Os protagonistas mal se tocam. Pouco se olham. Ariel padece do mal de não encarar a vida. Usa de subterfúgios para se declarar à mulher amada. Não se declara ao pai, a quem chama burocraticamente de “Perelman”. E faz questão de deixar claro que paga o colégio do filho para que ele próprio não tenha a obrigação de participar de nada. Ariel tangencia a vida.
Seu pai, por outro lado, conhece detalhadamente a vida de todos os seus clientes. Ainda que – segundo Ariel – exista em sua mente um lugar destinado a apagar todos os problemas. Uma espécie de “lousa mágica”, diz. E, agora, pai e responsável por um filho pequeno, Ariel está prestes a repetir o comportamento que aprendeu com o seu próprio pai, ratificando assim um círculo vicioso entre tristes gerações de emoções represadas.
Com a sensibilidade à flor da pele que há tempos vem caracterizando o cinema argentino, o diretor Daniel Burman cria assim um terno e emotivo painel de relações avô/pai/filho, destilando uma simplicidade narrativa típica das grandes obras que – felizmente – ainda privilegiam o conteúdo em detrimento da forma.
“As Leis da Família” recebeu o prêmio Clarín de melhor roteiro e melhor atriz coadjuvante (Adriana Aizemberg), além das premiações de público de melhor filme Ibero-Americano no 21º Festival de Cinema de Mar del Plata, dividido com “Cinema, Aspirinas e Urubus”.