CLASSICÃO, “GETÚLIO” É SUSPENSE POLÍTICO EFICIENTE E BEM REALIZADO.

É inegável a fonte de ideias, tramas, conflitos, traições, paixões e emoções contidas nas entrelinhas dos livros que esmiúçam a História do Brasil. Nossa história dá um filme a cada página. Não que as histórias dos outros países não sejam assim, mas a nossa a gente conhece um pouco mais de perto, e quando lemos bons livros sobre o tema já começamos até a, inadvertidamente, montar o casting.

Getúlio Vargas, por exemplo, é um vulto tão complexo e controvertido do nosso passado que renderia não um, mas vários filmes. E uma minissérie ou duas. Assim, foi das mais felizes a opção de João Jardim em concentrar a ação de seu filme “Getúlio” apenas nos últimos dias do personagem. Há, sim, um breve prólogo. Não escrito na tela (detesto prólogos escritos na tela, incluindo o de “Star Wars”), mas verbalizado pelo próprio protagonista. Um breve texto intimista que contextualiza o momento em que se encontra o então Presidente da República: acuado por uma fortíssima oposição comandada pelo jornalista Carlos Lacerda. Tudo piora com o histórico atentado da Rua Toneleiro, que é exatamente onde a ação do filme tem início.

Trata-se de um drama sobre os bastidores da política. E com muito suspense, por mais que já se saiba o final. Ao retratar um Getúlio em seus últimos dias, já cansado e envelhecido, fica claro que o filme se posiciona simpático ao personagem, mesmo porque ele se mantém íntegro e coerente em toda a administração da crise. A própria escolha de Tony Ramos para interpretá-lo, um ator de enorme carisma popular, também sinaliza claramente esta opção de roteiro. Mas Jardim não esconde o passado cruel do então Presidente, que muitos anos antes de ser eleito pelo povo foi um ditador que não nega seu histórico de assassinatos e torturas. “Eu já rasguei duas Constituições – diz Getúlio numa cena – e não posso rasgar a terceira”. Para efeito dramatúrgico, porém, prevalece o Getúlio simpático, conciliador e pai. O Getúlio ditador é prato cheio para um outro filme que alguém por acaso se disponha a fazer.

Assinando a produção executiva, Carla Camuratti faz com qualidade o que já havia feito em “Carlota Joaquina”: uma excelente reconstituição de época embasada muito mais em ideias criativas que em orçamentos gigantescos. Uma manifestação popular, por exemplo, se transforma em fotos em preto e branco sonorizadas com eficiência. Planos fechados e cenas noturnas auxiliam a recriar o clima dos anos 50, sem a necessidade de cenários gigantescos, muito menos de traiçoeiros efeitos digitais. As luxuosas locações internas também fornecem uma ótima base para a direção de arte, e a opção por utilizar cenas reais do enterro de Getúlio (xi, contei o final) não apenas viabiliza um momento que seria quase impossível reproduzir (a multidão era gigantesca) como também, e principalmente, acentua o caminho realista que o filme busca trilhar.
Embalado pela sempre marcante fotografia de Walter Carvalho, tudo funciona. Ou quase tudo: a utilização de legendas para qualificar os personagens, como se fosse um documentário, trunca dolorosamente a fruição da boa trama.

No elenco, Drica Morais rouba a cena como Alzira, a filha de Vargas, e Alexandre Borges é convincente como Carlos Lacerda. Os coadjuvantes, todos eles, também brilham, e nenhum deles destoa. Tony Ramos pode não ter muita semelhança física com Getúlio, mas seu talento e o seu carisma compensam. Há um momento, porém, em que esta semelhança é fortemente alcançada: na cena em que ele recorda, saudoso, o falecimento do filho Getulinho. Um leve sotaque gaúcho às vezes tenta sair pela boca de Tony Ramos. Tenta. Tampouco é importante que consiga.

‘’Getúlio” é cinemão clássico, linear e tradicional, o que não é um problema; apenas uma opção. E nem poderia ser diferente, na medida em que busca o grande público, o que deve conseguir fazê-lo. E com qualidades.

Que venham outros Getúlios, Jangos, Jânios e Juscelinos que ajudem a mapear, cinematograficamente, a tão conturbada História do Brasil.