CLÁSSICO DO NOIR, “O BEIJO DA MORTE” TRAZ MATURIDADE AO CINEMA DOS EUA.

Por Celso Sabadin.

Preso por um assalto mal sucedido, Nick Bianco (Victor Mature) é pressionado pela justiça a delatar seus comparsas. Ele cede às pressões, os capangas são detidos, vão à julgamento, mas são inocentados e soltos. Agora, nem a polícia nem a justiça são mais capazes de garantir a vida de Nick, que entra em pânico para tentar salvar a si próprio e à sua família.

Uma das melhores contribuições que o Cinema Noir deu à Sétima Arte foi a redução do maniqueísmo, a diluição das fronteiras que supostamente dividiriam o Bem e o Mal. As inseguranças da Segunda Guerra trouxeram a este período do cinema roteiros mais humanizados, com personagens mais críveis e multifacetados, como se nota neste “O Beijo da Morte”, de 1947. Nick, o provável “vilão” das primeiras cenas, aos poucos se mostra um homem comum, um pai de família compelido ao crime por motivos sociais, da mesma maneira que as instituições democráticas como polícia e justiça claramente já não são tão infalíveis como aparentavam ser no cinema estadunidense da década anterior. O resultado são filmes mais sintonizados com a realidade, mais adultos e multidimensionais.

Em “O Beijo da Morte” esta maneira de se fazer cinema de qualidade é potencializada pela direção de Henry Hathaway, que mais tarde realizaria os clássicos westerns “Bravura Indômita” e “A Conquista do Oeste”, entre outros, e concorreria em Berlim com “Servidão Humana”. Hathaway utiliza aqui, com maestria, o silêncio como ferramenta de suspense, e ainda que permita, vez ou outra, algum deslize no ritmo da narrativa, brinda o espectador com uma intensíssima meia hora final que pode ser considerada antológica dentro do gênero.

Assinam o roteiro Ben Hecht (o roteirista que ganhou o primeiro Oscar da categoria, em 1927, por “Paixão e Sangue”, e que também roteirizaria “Quando Fala o Coração”, de Hitchcock) e Charles Lederer, roteirista de “Os Homes Preferem as Loiras”. A história original é de Eleazar Lipsky, indicado ao Oscar por este filme.

Como indicado também foi Richard Widmark, aqui em sua estreia no cinema, ao Oscar de coadjuvante.

Em “O Beijo da Morte”, a esposa do protagonista Bianco é frequentemente citada no filme, mas jamais aparece. Na realidade, as cenas com a personagem foram filmadas (interpretadas por Patricia Morison), mas excluídas do corte final. Na história original, ela teria sido estuprada por um gangster, enquanto o marido estava preso, e depois se suicidado, mas a censura da época considerou tais cenas fortes demais e ordenou os cortes. O final do filme (e lá vem spoiler) também foi modificado, não a mando da censura, mas sim do chefão da Fox, Darryl F. Zanuck. Na história original, Bianco é morto por Udo, mas o estúdio considerou que o público rejeitaria a ideia, e mandou substitui-la por uma narração em off da personagem Nettie, “informando” que ele sobrevivera. De fato, ficou bem inverossímil Bianco ter sido várias vezes alvejado por Udo, à queima roupa, e ter sobrevivido.

“O Beijo da Morte” teve dois remakes: “O Terror do Oeste “, refeito como western em 1958, e uma versão homônima de 1995, com Nicolas Cage.