“CLEMENCY”, O HIPÓCRITA SHOW DA MORTE.

Por Celso Sabadin.

Vários e bons filmes sobre prisioneiros no chamado “corredor da morte” já foram feitos. “Clemency” não é “apenas mais um deles”. Utilizando uma densa sobriedade narrativa que potencializa a intensidade da dor que a situação – por si só – já enseja, o longa se centraliza no ponto de vista de Bernardine (Alfre Woodward, intensa), diretora de um grande presídio estadunidense.

Não fica claro onde, geograficamente, a tal penitenciária se encontra. Não importa. Asséptico e gélido, o lugar é o símbolo nacional de uma mórbida e gigantesca encenação que valida (ou tenta validar) a insustentável teoria que o Estado teria direito de dispor sobre a vida humana. O Estado totalmente incapaz de garantir um mínimo de Justiça é o mesmo que se atribui o direito de matar. E com requintes de hipocrisia, coreografando e ensaiando com precisão milimétrica o ritual da morte, garantindo ao condenado o “bônus” de escolher uma última refeição, providenciando a presença de um padre cristão (quem pediu?) e ainda “cuidando” para que o presidiário não prive o sistema do direito do Estado – e só o Estado – matá-lo.

O show de horrores ainda controla quem terá direito a figurar na “plateia” e reveste toda a barbárie com verniz de supostas dignidade e legalidade que só torna este palco da morte ainda mais tétrico e desprezível.

Cruel ao extremo, tal ritual fúnebre ainda reserva para si – sob a forma da lei – uma ferramenta dramática que parece criada especificamente para estourar os nervos de todos os envolvidos no processo: a possibilidade do surgimento de um herói mágico, um cavaleiro solitário personificado na figura de um governador que pode, num único lance de espada (ou caneta), trazer o perdão redentor ao condenado, a tal clemência do título do filme. Ou não, se ele simplesmente não quiser. Nem o mais torpe dos roteiristas de ficção conseguiria criar uma lei tão sórdida.

Em meio a tudo, uma diretora, no limite de sua sanidade, ao mesmo tempo orgulhosa e perturbada pelo que ela diz ser “não um trabalho, mas uma profissão”.

Embora não seja especificamente baseado em um caso real, o discurso final do personagem Wood é a reprodução fiel da fala de Troy Davis, prisioneiro executado em 2011.

“Clemency” é o segundo longa da roteirista e diretora nigeriana Chinonye Chukwu. O filme recebeu quase 30 premiações e indicações em festivais, incluindo o Grande Prêmio do Júri em Sundance.

Denso e perturbador.