“COMANDOS DO AR”: PROPAGANDA DE GUERRA EM TEMPOS DE PAZ.

Por Celso Sabadin.

A utilização do cinema como parte da máquina bélica foi amplificada exponencialmente durante a Segunda Guerra Mundial, momento em que tanto nazistas quanto aliados perceberam mais intensamente – de maneira pode-se dizer até decisiva – a força da comunicação audiovisual em suas estratégias militares.

O conflito terminou (pelo menos este), mas a lição permaneceu: o cinema entrava definitivamente como ferramenta ideológica fundamental de governos em guerra. Mesmo em tempos de paz. “Comandos do Ar”, de Anthony Mann, é um exemplo marcante desta estratégia. Produzido em 1955, portanto 10 anos após o final da Segunda Grande Guerra, o longa mal disfarça ser uma gigantesca peça publicitária da Força Aérea dos EUA. Com direito a hino marcial patriótico em sua trilha sonora, logo na abertura.

O roteiro de Beirne Lay Jr. (não por acaso, ex-piloto da Segunda Guerra) e Valentine Davies (que escreveu o clássico “O Milagre da Sua 34”) conta a história de Dutch Holland (James Stewart, que de fato foi piloto na USAF) um ex-piloto de bombardeios, claro, da Segunda Guerra, que agora ganha a vida tranquilamente como jogador de beisebol. Até o dia em que ele é chamado novamente pela Força Aérea para se engajar no programa de desenvolvimento dos novos aviões B-36, que substituirão os antigos B-29. Dutch reclama, estrila, protesta, mas não tem jeito: é obrigado a abandonar a vida civil e cumprir 21 meses de serviços na SAC – Strategic Air Command – órgão da Força Aérea responsável pelo projeto. “Strategic Air Command”, por sinal, é o título original do filme.

Ao reclamar que o país não está mais em luta, Dutch ouve de seus superiores que é preciso um gigantesco esforço de guerra para manter a paz.

Sally (June Alysson), sua esposa, como mandam os cânones da mulher submissa conservadora estadunidense dos anos 1950, larga tudo para acompanhar o marido e vai morar na base militar.

A partir daí, “Comandos do Ar” se empenha em encantar as plateias com cenas caprichadíssimas do bombardeio B-36 decolando, voando, pousando, ao por do sol, por fora, por dentro, mudando de rota, de longe, de perto, de todos os jeitos possíveis, sempre no então espetacular sistema VistaVision, que era o Cinemascope da Paramount.

A linguagem publicitária é aqui totalmente assumida para fazer com que o cidadão estadunidense fique orgulhoso de seus impostos terem sido tão bem empregados nestas mais do que necessárias máquinas de guerra imprescindíveis para manter a paz, como dizem os comandantes retratados no filme.

Mais que isso, quando o então relutante Dutch toma contato com outra novidade – o modelo B-47, agora totalmente a jato – ele abandona todo a sua inquietação anterior e faz questão de tentar permanecer na ativa além dos 21 meses combinados anteriormente. Até o fim de sua vida ativa, se possível.

Por incrível que pareça, o roteiro de “Comandos do Ar” foi indicado ao Oscar.

No dia seguinte à estreia do filme em Nova York, o crítico Bosley Crowther publica no New York Times um texto que não deixa dúvidas sobre o caráter eminentemente publicitário de “Comandos do Ar”:

“A estreia mundial convidativa de Strategic Air Command foi realizada sob os auspícios da Associação da Força Aérea. Uma grande multidão lotou a área de Times Square diante do cinema, onde os holofotes anunciavam a ocasião. Os espectadores assistiram à chegada de 3.500 convidados, que incluíam personalidades nas forças armadas, política, entretenimento e negócios. Entre os representantes militares estavam o general Thomas D. White, vice-chefe de gabinete dos Estados Unidos da América; o general Emmett O’Donnell, vice-chefe do pessoal, o Major-General M. J. Asensio, Vice-Comandante, Comando Aéreo Continental, e os vice-almirantes LT Dubose e Arthur D. Struble; também estavam presentes o senador H. Alexander Smith, de Nova Jersey, Grace Kelly, Danny Kaye, Barney Balaban, Spyros P. Skouras, Milton R. Rackmil, Adolf Zukor, Adam Gimbel e Alfred Gwynne Vanderbilt”.

Talvez coubesse melhor a “Comandos do Ar” uma indicação ao Prêmio Clio, e não exatamente ao Oscar.