“COMO EU FESTEJEI O FIM DO MUNDO” REVIVE A ROMÊNIA DOS ANOS DE CHUMBO

É uma conseqüência natural e mundial: países que passaram por ditaduras encontram no cinema uma forma vigorosa e eficaz de exorcizar seus velhos fantasmas que, muitas vezes, nem são tão antigos assim. O próprio Brasil tem demonstrado isso com filmes como “O Ano que Meus Pais Saíram de Férias”, “Quase Dois Irmãos”, “Cabra Cega” e tantos outros.

Agora, a Romênia parece ser a bola da vez. Depois de “A Leste de Bucareste” e “4 Meses, 3 Semanas, 2 Dias”, o famoso país do Conde Drácula traz “Como eu Festejei o Fim do Mundo”, uma nova parábola sobre os anos de chumbo da ditadura Ceausescu.

A ação é ambientada em 1989, o último ano do ditador. É num cenário de repressão, hinos de louvor à Pátria e cabelos curtos que a jovem estudante Eva (Dorotheea Petre, premiada na mostra Un Certain Regard, no Festival de Cannes) vive, na medida do possível, seus momentos de rebeldia. Ela namora o filho do vizinho, tem uma relação de amor e ódio com Lalalilu (Timotei Duma), seu divertido irmão mais novo, e tenta ser uma adolescente normal num país anormal. Até o dia em que é injustamente expulsa da escola, acusada de ter quebrado um busto do ditador Ceausescu. Eva é transferida então para um curso técnico, uma espécie de reformatório onde, além de estudar, também terá de desenvolver um trabalho operário. Agora, ela é vergonha de sua mãe, ao mesmo tempo que o pequeno Lalalilu planeja, em sua ingenuidade infantil, se vingar do ditador.

Ao explorar com ternura os infinitos paradoxos contidos no binômio infância/ditadura, “Como eu Festejei o Fim do Mundo” é um filme que dialoga com o já citado brasileiro “O Ano que Meus Pais Saíram de Férias”, com o chileno “Machuca”, o argentino “Kamtchaka”, o peruano “Postais de Leningrado” (ainda inédito em nosso circuito) e tantos outros que devem existir pelo mundo, produzidos por países que viveram seus anos de chumbo. São, em sua essência, obras que transpiram poesia e – acima de tudo – resistência com encantamento. São filmes com um doce sabor de vingança contra os opressores, como que mostrando que, apesar de você, amanhã não só há de ser outro dia, como de fato foi. E está sendo. São libelos de um cinema livre e libertário. Sem panfletarismos baratos, nem pieguices, nem ninguém marchando nas ruas cantando “quem sabe faz a hora, não espera acontecer”. Trata-se apenas de retratos poéticos de gente comum que fez o que pode para sobreviver em tempos bicudos. E quem hoje fazem parte de um painel histórico de um passado muito recente.

“Como eu Festejei o Fim do Mundo”, embora produzido entre Romênia e França, tem produção executiva de dois grandes nomes do cinema internacional: ninguém menos que Wim Wenders e Martin Scorsese, que apostaram na idéia. E ganharam, trazendo para o público um belo e sensível filme sobre juventudes e rebeldias possíveis.