“COMO FOTOGRAFEI OS YANOMAMIS” E O FASCINANTE CALDEIRÃO CULTURAL DO BRASIL.

Por Celso Sabadin.

Acreditam algumas nações indígenas que a fotografia (e, por extensão, a filmagem) rouba a alma do ser fotografado. Pessoalmente percebi isso durante uma viagem à Bolívia, onde os nativos me viravam o rosto cada vez que eu lhes apontava minha câmera (só tenho fotos de índios bolivianos de perfil). Uns me diziam que era a crença deles. Outros, mais céticos, afirmavam que eles só aceitavam ser fotografados de frente se eu lhes desse algum dinheiro. Não paguei pra ver.

O fato me veio à lembrança ao assistir “Como Fotografei os Yanomani”, de Otavio Cury. Tudo começou em 2013, quando Cury viajou até os limites das terras Yanomami, na Serra de Surucucu, Roraima, próximo à fronteira da Venezuela. Foi ali que o cineasta começou a registrar os abismos culturais existentes entre os indígenas e os profissionais de saúde que lá estavam para cuidar dos nativos. Remédios de brancos para doenças de brancos que não existiam entre os índios antes dos próprios brancos contaminarem a região, somados à misturança de rituais e pajelanças de variados credos formam, dentro do filme, um fascinante caldeirão cultural repleto de nuances, sensações e conflitos. Com direito a uma criança indígena batizada com o nome de… Sabonete. Durante as filmagens, o cineasta notou que sua própria câmera passou a ser protagonista do choque entre culturas que, a princípio, ela deveria apenas registrar. Motivo: a crença milenar das câmeras atuando como ladras de almas. Inicia-se então um novo enfoque dentro do longa, abordando esta questão a um mesmo tempo mística e encantadora.

O final – sem querer dar spoiler – é um achado antropológico/cinematográfico/antropofágico,  ao registrar a surpreendente inauguração de uma UBSI – Unidade Básica de Saúde Indígena – que mistura santos católicos, danças tribais, Hino Nacional, índias de sutiã, discurso político, Pai Nosso, e um punhado de nativos – sem medo de terem suas almas roubadas pelas câmeras – registrando tudo com seus celulares. Genial.

Estreia em 9 de agosto.