“CONSEQUÊNCIAS“ TOCA EM FERIDAS PERTURBADORAS DA 2ª GUERRA.

Por Celso Sabadin.

Por mais que se façam filmes sobre a Segunda Guerra Mundial (e eles são feitos aos montões), há episódios sobre o tema que o cinema prefere esquecer. Ou, no mínimo, deixar de lado. Logo no início do filme “Consequências”, por exemplo, deve ter incomodado muita gente a afirmação do major inglês Morgan (Jason Clarke) sobre os aliados terem jogado sobre a cidade alemã de Hamburgo “mais bombas num final de semana que a Alemanha jogou sobre Londres durante a guerra inteira”. Ele se referia ao infame 27 de julho de 1943, quando a chamada Operação Gomorra dizimou Hamburgo com maciços bombardeios que mataram – dependendo da fonte – entre 40 mil e 58 mil alemães em menos de 24 horas, incluindo civis, mulheres e crianças. Não são coisas que o cinema comercial produzido no ocidente goste de lembrar.

Da mesma forma que também deve ter incomodado muita gente o mesmo filme ter retratado o personagem alemão Lubert (vivido pelo sueco Alexander Skarsgård) de forma positiva, pontuando que, mesmo durante a Guerra, nem todo alemão é nazista, e vice-versa.

Talvez sejam estes “incômodos” os responsáveis pelo fracasso comercial de “Consequências”, caprichada e charmosa coprodução anglo-alemã-estadunidense que rendeu parcos US$ 9 milhões nas bilheterias do mundo inteiro.

Quem não viu (ou provavelmente nem ficou sabendo do lançamento) perdeu um belíssimo melodrama de guerra: poucos meses após o final do conflito na Europa, a ocupação britânica na Alemanha desapropria a luxuosa mansão do arquiteto Stephen Lubert, na destruída Hamburgo, para que ela sirva de residência ao oficial inglês Lewis Morgan e sua esposa Rachael (Keira Knightley). Pelas regras da ocupação, o alemão e sua filha adolescente seriam obrigados a deixar a casa, mas Morgan, que apesar dos horrores da Guerra consegue manter o bom senso, permite que eles permaneçam no lugar.

A partir daí, o belo palacete torna-se ele próprio um personagem do filme, abrigando em suas paredes mudas os mais íntimos conflitos, medos, paixões e dores inimagináveis que permeiam as vidas destes quatro protagonistas eternamente marcados pela destruição. A fina imponência da ambientação gera um perturbador contraste com a vidas destroçadas que lá habitam.

“Consequências” é baseado no livro “The Aftermath”, do escritor galês Rhidian Brook, e é o segundo longa para cinema do diretor de TV James Kent, após “Juventudes Roubadas”, de 2015.

Após abordar o incômodo tema do massacre dos aliados sobre Hamburgo, o cinema agora poderia aproveitar a deixa e fazer um filme sobre outro assunto da Segunda Guerra que é sempre evitado pelos estúdios: as bombas incendiárias que mataram cerca de 200 mil pessoas e transformaram Tóquio em cinzas, em 9 de março de 1945. Fica a dica.