Coração de Fogo

É duro ser colônia. Grandes blockbusters americanos chegam às nossas salas de forma simultânea (ou quase isso) aos cinemas da matriz. Enquanto isso, bons filmes da vizinha Argentina demoram anos para estrear por aqui. Quando estréiam. É o caso de Coração de Fogo, co-produção uruguaio/argentina de 2002, exibida no Festival de Gramado em 2003, e que só agora desembarca no circuito brasileiro. Trata-se de uma trama simples, direta como um trilho de trem… e irresistível. Sim, como é possível não se apaixonar por um grupo de simpáticos velhinhos que “roubam” uma locomotiva histórica para impedir que ela seja enviada para os EUA? E por que os americanos querem comprar uma locomotiva argentina? Ora, para que ela faça parte de um filme hollywoodiano produzido por um tal de Spilberg (assim, mesmo, sem a letra e). A analogia é direta e reta. Ingênua também, sem dúvida, mas muito bem-vinda. É a resistência do patrimônio histórico contra a cultura de massa. Dos velhinhos contra a civilização feroz. E com uma triste ironia: como “roubar” um trem, se os trilhos já indicam seus caminhos? É uma luta quixotesca e traiçoeira, mas repleta de valor. Sin perder la ternura, jamás.
Coração de Fogo seria, digamos, um “railroad movie” divertido e alto astral. Com excelentes interpretações, ritmo ágil e direção segura. Um pequeno David uruguaio-argentino lutando contra Golias norte-americanos. Nada mais coerente que ele estréie hoje, anos depois de sua produção, num circuitinho de nada, sem alarde nem divulgação. “Spilberg” sempre vence.